Fátima em crise com ausência de turistas estrangeiros

O mercado externo representa 70% das dormidas em Fátima. Sem aviões no ar, a economia local está ‘congelada’. E muitas empresas em risco.

O mês de maio marca o arranque da época alta do turismo religioso em Fátima, que, em média, conta com quase dez milhões de visitantes e um milhão de dormidas por ano. Em 2020, a pandemia veio virar do avesso as contas de empresários e comerciantes, que, sem turistas ou peregrinos, se preparam para enfrentar o impacto de uma crise de dimensões inéditas; e que, neste caso, vai afetar muitos negócios de traço familiar. 

Após o (habitual) inverno rigoroso, e longe de prever o cenário atual, a indústria hoteleira de Fátima alimentava a expectativa de voltar a ter uma taxa de ocupação de 100% em maio, que, sem surpresas, deveria manter-se elevada pelo menos até outubro. As consequências da covid-19, porém, rapidamente se fizeram sentir, ainda o vírus era uma notícia distante, que chegava do Oriente.

A explicação é simples: o mercado externo representa 70% para as centenas de hotéis e alojamentos locais que pontuam a cidade e a região, uma vez que a maioria dos portugueses visita Fátima como excursionista, regressando a casa ao final do dia. Feitas as contas, são pelo menos 700 mil as dormidas que, neste ano, o setor dá praticamente como perdidas, sem perspetivas ou prazo de recuperação – um número que afeta indiretamente o comércio e restauração locais. 

O cenário compreende-se melhor se contabilizarmos as centenas de milhares de turistas que, anualmente, visitam Fátima vindos da Coreia do Sul, Itália, Filipinas ou Brasil, países fortemente afetados pela pandemia, e que agora desapareceram completamente das estatísticas do Santuário.

«A situação é muito preocupante, uma vez que a atividade económica de Fátima depende do turismo em 80%. E, neste momento, as quebras de receitas já atingem os 90%», descreve Purificação Reis, presidente da Associação Empresarial Ourém-Fátima (ACISO). Ao SOL, a responsável admite que, nesta fase, «não podemos deixar de estar preocupados», uma vez que a recuperação «depende da conjuntura internacional, e sabemos que a retoma será necessariamente lenta».

Sem voos e com fronteiras ainda fechadas, pouco há a fazer, restando aos empresários de Fátima olhar com ansiedade para a evolução da pandemia, antes de se debruçarem sobre o valor total da fatura. «O início da época alta coincidiu com o início da pandemia», refere Purificação Reis, explicando que «a gestão tem sido feita dia a dia, com os empresários a fazerem um enorme esforço para manterem os seus negócios, enquanto, ao mesmo tempo, preparam a retoma, através da concretização de planos de contingência». «Sem clientes, porém, não há recuperação possível», diz, o que coloca «em risco a sobrevivência várias empresas e respetivos postos de trabalho».

Para ultrapassar a crise, a líder da ACISO afirma que «todos têm consciência que  tem de existir um novo pacote de medidas de apoio, mais simples e rápido», dirigidas às empresas, por parte do Governo, para além dos já anunciados. Purificação Reis alerta mesmo que «o tempo pode fazer a diferença entre a sobrevivência ou não» das empresas locais, deixando críticas à burocracia e morosidade que caracterizam os apoios do Estado até ao momento.
Mas é exatamente no setor hoteleiro que as perdas mais se fazem sentir. Em maio, a taxa de ocupação desceu de 100 para apenas 1%, reservas residuais, ou ‘técnicas’, que correspondem à presença de alguém que tenta evitar o contágio em contexto profissional, por jornalistas em serviço ou, simplesmente, por um turista ausente que esqueceu ou ignorou a reserva feita há vários meses.

«Vivemos um desastre» afirma, perentório, Alexandre Marto Pereira, CEO do Fátima Hotels Group, que possui dez unidades hoteleiras na região, embora tenha apenas um aberto… e vazio.

Ao SOL, Alexandre Marto Pereira admite que a avalancha de cancelamentos justifica que o setor «esteja bastante pessimistas para este ano», acrescentando que, para já, «existem muitos mais pontos de interrogação do que respostas». «O nível de internacionalização do turismo em Fátima era a sua grande vantagem, comparativamente com outros destinos portugueses», todavia, verifica-se agora «que isso se tornou uma grande desvantagem» para uma recuperação mais veloz. «Existem três fatores fundamentais que nos preocupam: a ausência de voos internacionais, o medo da doença e a crise económica global, na sequência da pandemia», explica o empresário, admitindo que só com a resolução destas questões será viável o turismo de Fátima aproximar-se dos valores anteriores à covid-19.

Alexandre Marto Pereira acredita que «os excursionistas portugueses até vão, em breve, regressar a Fátima», mas, uma vez que o mercado interno contabiliza apenas 30% das dormidas, é fácil chegar a conclusões: sem os turistas estrangeiros será impossível à economia local encetar uma verdadeira recuperação nos tempos mais próximos.