Quatro irmãos em quatro países. Inês Moreira da Cruz: ‘Ensinar a felicidade’

O SOL continua a acompanhar todas as semanas a família Moreira da Cruz. Quatro irmãos a viver em quatro países contam o seu dia a dia e as diferentes formas como está a ser encarado o combate à pandemia da covid-19, bem como as restrições que enfrentam e como comunicam entre si. Filipa vive em…

A escola em casa continua. Há dias melhores que outros. Às vezes o meu filho não está motivado, mas como contrariar essa falta de vontade!? O ano mais importante da sua vida escolar foi interrompido por um vírus. A sala de aula, os afetos, a cumplicidade com os amigos, as brincadeiras no recreio e, sobretudo o professor, esse elemento indispensável no percurso da aprendizagem, não estão presentes. E eu que tanto sonhei com o seu primeiro ano no ensino básico! Antes de entrar para a ‘escola a sério’ o meu filho exteriorizou a sua ansiedade e apreensão. Eu transmiti-lhe confiança, escutei-o. Sorri-lhe. Olhei-o nos olhos e afirmei: Está tudo bem. Tentei, usando as palavras de Rubem Alves, «ensinar a felicidade». 

Tive a imensa sorte de ter tido uma professora primária que contribuiu, de forma decisiva, para a construção da mulher que sou hoje. Devo-lhe muito, mas só me apercebi disso quando estava a estudar para ser educadora e, mais tarde, quando iniciei a minha carreira. Ser professor ou educador não é uma profissão, é uma paixão que dura a vida inteira. O professor (ou o educador) não se reforma, ele retira-se para deixar entrar em cena os mais jovens, mas está sempre na retaguarda, caso lhe peçam conselhos. E eu peço muitos. 

A minha primeira professora era carinhosa, meiga, paciente e conseguia encontrar o melhor de cada aluno. Valorizava as nossas qualidades, celebrava as nossas pequenas vitórias e fazia-nos chegar mais longe todos os dias. Apagava os nossos erros com uma borracha mágica, limava as nossas falhas, respeitava o ritmo de cada criança. Graças ao seu amor e compreensão todos nos sentíamos únicos e especiais. Penso que ela compreendeu, desde sempre, que «quando a gente ensina, a gente continua a viver na pessoa que foi ensinada». (Rubem Alves).

O meu filho não terá as mesmas experiências para contar, até porque o tempo não volta atrás. Mas nada me impede de ajudá-lo a construir o seu caminho com base nos valores sólidos que recebi. Cair faz parte da vida, dar trambolhões também. Mas o mais importante é levantar-se e seguir em frente, sempre. Não vou deixar que a quarentena estrague o início de uma aventura que não termina nunca: a aprendizagem. Este ano letivo que foi partido em dois não vai ser uma mancha negra na memória do meu filho, mas sim uma oportunidade para crescer sabendo que, às vezes, as coisas não acontecem como deveriam. Os imprevistos, o fracasso, as imperfeições fazem parte da vida. Falhar é quase tão importante como acertar porque só prova que somos humanos.

O mundo está virado do avesso. Os pais foram obrigados a assumir o papel de professores, não sendo nunca como eles. Em contrapartida, os professores foram enviados para casa, deixaram de estar no seu ambiente natural: a escola. Esse edifício grande ou pequeno, velho ou novo, feio ou bonito é muito mais que cimento, pedra, vidro ou madeira. É um universo infinito de imaginação, cumplicidade, partilha, criatividade, amor, esperança e sonhos. E «ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra». (uma vez mais, Rubem Alves)