Quatro irmãos em quatro países. Joana Moreira da Cruz: ‘Ainda bem que não fui à garagem…’

O SOL continua a acompanhar todas as semanas a família Moreira da Cruz. Quatro irmãos a viver em quatro países contam o seu dia a dia e as diferentes formas como está a ser encarado o combate à pandemia da covid-19, bem como as restrições que enfrentam e como comunicam entre si. Filipa vive em…

O meu marido regressou ao trabalho na segunda-feira, 4 de maio. Durante vários dias esteve ansioso e apreensivo. O tão aguardado fim do isolamento projetou-nos para o desconhecido. Ficar em casa passou a ser seguro e reconfortante. Os seres humanos precisam da sua zona de conforto e, nas últimas semanas, os nossos lares desempenharam essa função. A rua passou a ser o desconhecido, o inimigo a vencer. Cada obstáculo é um desafio, cada prova é uma montanha.

Contra todas as expectativas, os primeiros dias de trabalho correram bem. O stresse da véspera foi superado com êxito. A rotina começa a instalar-se, pouco a pouco, apesar das novas medidas a adotar. O meu marido sai sempre com máscara e luvas e almoça em casa porque a cantina da empresa está fechada. Os horários são mais reduzidos e alternados para evitar um grande número de pessoas ao mesmo tempo.

As fábricas e as indústrias também abriram portas a 4 de maio. Os pequenos comércios, como lojas de roupa e sapatos deverão fazer o mesmo na semana seguinte, enquanto os restaurantes e os bares têm que esperar pelo final do mês. Tudo isto se os italianos se portarem bem! Giuseppe Conte não quer abusos e já prometeu rever as propostas se os casos de covid-19 dispararem.

É difícil agradar a todos e as medidas da retoma económica não são exceção. A pandemia veio acentuar ainda mais as diferenças entre o norte e o sul dos país. Os habitantes do calcanhar e do pé da bota sentem-se abandonados e a máfia aproveitou para reivindicar o seu poder. Famílias inteiras estão nas mãos da ‘Cosa Nostra’ e se a prioridade do Governo, no passado, nunca foi agarrar os tentáculos do polvo agora ainda menos. Em contrapartida, em cidades como Milão, Turim, Verona, Roma o espírito empreendedor e combativo ganha forma.

Apesar das diferenças, há um consenso em toda a população: os cabeleireiros e os centros de estética têm que abrir… já! Nunca o Governo pensou sofrer tanta pressão para reativar estes serviços. Já há mesmo uma petição a circular. A escola pode esperar até setembro. Os cafés e restaurantes também. Até as férias na Sardenha e na Sicília poderão ser adiadas, mas o cabelo, o corpo, a cara… Depois de tanto tempo em casa, tornou-se urgente cuidar da aparência. No país onde o meu irmão vive ir ao pub é uma instituição quase tão importante como a rainha. Em Itália, só há uma coisa que supera cortar o cabelo e usufruir dos tratamentos de beleza: ‘la pasta de la mamma’. 

Eu continuo sem poder ir trabalhar porque a minha empresa não faz parte do grupo das que estão autorizadas a abrir. Passo mais tempo em casa sozinha, por isso, tento ocupar-me o mais possível. Quando já esgotei todas as tarefas invento outras. Agora deu-me para organizar os armários da casa. Comecei pela roupa da casa porque é mais fácil. Toalhas de banho, tapetes, panos de cozinha organizados por matérias, tamanhos e cores. Em seguida, fui para o quarto arrumar a minha roupa. Deitei fora o que já não uso, meti numa caixa o que já não gosto, mas está em bom estado e posso dar e, por fim, o que quero guardar. Depois de fazer a triagem separei a roupa de inverno da de verão. Terminei a tarefa organizando a roupa, os acessórios e os sapatos por cores, tamanho, tecidos. Tudo bem dobradinho para ocupar o menos espaço possível. A Marie Kondo já tem uma concorrente à sua altura! 

Decidi utilizar o mesmo método para arrumar todas as coisas do meu marido. O meu método parecia infalível e organizei a roupa e os sapatos nas prateleiras. Ordenei os papéis por data e importância. Estava desejosa que ele chegasse a casa para mostrar-lhe o resultado. Para meu espanto, não só ele não ficou nada contente como, ainda por cima, desaprovou a minha iniciativa. Os homens e as mulheres não seguem a mesma lógica. Não contestei e deixei-o desarrumar tudo para voltar a por no sítio à sua maneira. E pensei para mim ‘ainda bem que não fui à garagem!’.