Marcelo tornou-se o pivô de uma minicrise política

Presidente falou com o primeiro-ministro e Centeno sobre o Novo Banco. E recusou responsabilidades sobre “questões internas do Governo”.

Nos últimos dias assistiu-se ao desenrolar de uma mini-crise política, circunscrita à relação entre o primeiro-ministro e o ministro de Estado e das Finanças. O móbil da tensão interna era o empréstimo de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução para o injetar no Novo Banco. Mas o problema que foi classificado como uma “falha de comunicação”, tornou-se, em 24 horas, um assunto de Estado. Porquê?

Mário Centeno, manteve-se no cargo, mas só após três horas de encontro com o primeiro-ministro em São Bento. Foi Centeno quem pediu o encontro para abordar o caso do Novo Banco. A situação impunha uma conversa mais formal, sobretudo depois das declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e do silêncio do primeiro-ministro, António Costa.

Numa visita à Autoeuropa, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou na quarta-feira de manhã que o primeiro-ministro “esteve muito bem” ao fazer depender um novo empréstimo de 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução, do resultado de uma auditoria às contas do Novo Banco de 2018. Este argumento foi defendido por Costa duas vezes no Parlamento. Com esta referência, Marcelo quis assinalar que a gestão deste caso por Costa estava correta. Por exclusão de partes, tirou o tapete a Centeno.

Quase em simultâneo, o ministro estava no Parlamento a garantir que o empréstimo do Tesouro destinado ao Novo Banco não era feito à revelia do Conselho de Ministros, leia-se de António Costa. E que se tal empréstimo não fosse feito, correr-se-iam outros riscos, designadamente, para a banca.

Perante as declarações de Marcelo, e depois de um dia longo em que Centeno foi o alvo da oposição, a reunião com Costa, ao final do dia de quarta-feira tornou-se emergente. O assunto era o Novo Banco, apesar de o comunicado final do gabinete do primeiro-ministro começar por explicar que a reunião se inseria no “quadro da preparação da próxima reunião do Eurogrupo, que terá lugar sexta-feira, e da definição do calendário de elaboração do Orçamento Suplementar que o Governo apresentará à Assembleia da República durante o mês de Junho”.

Mário Centeno não ia preparado com uma carta de demissão, mas precisava que ficasse bem definido em que condições poderia continuar a desempenhar o cargo. Para já, fica no Executivo. A dúvida é a de saber até quando. E, ontem, quando regressou ao Parlamento para debater o Programa de Estabilidade, ouviu perguntas, ironias e comentários sobre o futuro de quase todas as bancadas.

O encontro de Centeno e Costa teve como resultado a permanência do governante. E Marcelo falou, tanto com Costa como com Centeno, sobre o Novo Banco. Mas fez questão de esclarecer que não contribuiu para crises internas no Governo. E fê-lo numa nota oficial, depois de uma sequência de notícias que davam conta de um telefonema do chefe de Estado na quarta-feira à noite, para Centeno onde quis esclarecer um equívoco. Belém não tinha tirado o tapete ao governante. Não lhe compete tal missão. Na nota, Marcelo limita-se a dizer que “o Presidente da República não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre questões internas do Governo, nomeadamente o que é matéria de competência do Primeiro-Ministro, a saber a confiança política nos membros do Governo a que preside”. Esta frase impunha-se depois da leitura de que teria sido a sua declaração, na Autoeuropa, a colocar-se ao lado do primeiro-ministro no processo do Novo Banco, que teria motivado o pedido de reunião de Centeno a Costa. Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa quis esclarecer que ninguém lhe pode imputar responsabilidades por uma crise interna no Executivo. Porém, não deixou de assinalar que reiterou, nos contactos que manteve com Costa e Centeno, o que disse na Autoeuropa na quarta-feira à hora de almoço: “Não é indiferente, em termos políticos, o Estado cumprir o que tem a cumprir em matéria de compromissos num banco, depois de conhecidas as conclusões da Auditoria cobrindo o período de 2018, que ele próprio tinha pedido há um ano, conclusões anunciadas para este mês de Maio, ou antes desse conhecimento. Sobretudo nestes tempos de acrescentados sacrifícios para os Portugueses”.

Já ontem, no Parlamento, Centeno ouviu perguntas sobre se estará a caminho do Banco de Portugal, com uma saída do Governo algures em junho ou julho, numa altura em que se discutia o Programa de Estabilidade. Em São Bento, onde Costa esteve a ouvir os partidos para a nova fase de desconfinamento, surgiu a revelação mais concreta sobre o prazo de atividade de Centeno. “Tanto quanto me é dado a perceber Mário Centeno irá fazer o orçamento suplementar e será esse o compromisso que tem”, afirmou Catarina Martins, coordenadora do BE. Dito de outra forma: o ministro pode ficar até ao fecho da presidência do Eurogrupo, ou seja, meados de julho. O tempo o dirá.

Certo é que o líder do PSD, Rui Rio, voltou a considerar que Centeno não tem condições para continuar, mas estendeu as críticas a Costa: “Mário Centeno não passou a ter condições para continuar. O primeiro-ministro é que assumiu que no seu Governo, ainda que sem condições, um ministro pode continuar a sê-lo”. Contudo, na reunião com o primeiro-ministro não quis abordar o assunto. “Não seria elegante”, disse aos jornalistas em direto para as televisões.