“Os soviéticos não usavam câmaras de gás. Matavam as pessoas com trabalho”

No verão de 1781, um português foi para S. Petersburgo promover o vinho do Porto. Ali casou e lançou raízes. José Milhazes conta-nos como esta família caiu nas boas graças da corte russa e mais tarde acabou perseguida pelo regime soviético.

Tudo começou com uma bebida – o vinho do Porto. Em 1781, José Pedro Celestino Velho partiu de barco para S. Petersburgo, incumbido de representar os interesses da Real Companhia Velha. Adaptou-se bem, aprendeu russo e criou raízes: ali se casou e deixou descendência. Teve duas filhas e um filho, Ossip, que se juntou ao exército russo e combateu contra as tropas de Napoleão. Mas seria o filho deste, Ivan, que deixaria uma marca profunda na História daquele país.

A saga da família Velho é-nos contada por José Milhazes em Do Porto ao Gulag – A Viagem secular de uma família portuense no Império Russo/ Soviético (ed. Oficina do Livro). Nascido em 1958 numa família de pescadores da Póvoa do Varzim, Milhazes perdeu um irmão na pesca do bacalhau e nunca se sentiu muito atraído pela faina. Queria antes tornar-se ‘pescador de homens’ e estudou três anos no seminário. Depois veio o 25 de Abril e aderiu à União de Estudantes Comunistas. No verão de 1977 foi surpreendido pela notícia de que havia sido um dos 15 bolseiros selecionados para estudar na União Soviética. Esperava encontrar o Paraíso em Moscovo, mas aos poucos foi-se apercebendo de que a realidade não correspondia à teoria. No entanto, ali permaneceu perto de quatro décadas, tendo trabalhado como jornalista correspondente da SIC, TSF e Público. Doutorado em História, hoje é um dos principais especialistas portugueses na História da Rússia e das relações entre aquele país e o nosso.

Podemos dizer que o vinho do Porto foi o primeiro embaixador de Portugal na Rússia dos czares?

Digamos que há dois embaixadores: o vinho do Porto e o vinho da Madeira, que chegam à Rússia mais ou menos na mesma altura, durante o reinado de Pedro I. E aí poderá ter dado uma ajudinha o facto de António de Vieira, um judeu de Portugal [que se destacou na corte de Pedro I, o Grande], talvez ter falado ao imperador dos vinhos portugueses. Mas isto sou eu a divagar, o facto é que Pedro o Grande já conhecia o vinho da Madeira, embora nesta altura os vinhos portugueses fossem para a Rússia por via indireta, através das cidades hanseáticas ou da Inglaterra, e havia um problema complicado que era o facto de, para fazer render o negócio, os comerciantes…

Adulteravam o vinho, não era?

Adulteravam o vinho. Mesmo assim tratava-se de dois vinhos que eram muito conceituados na Rússia. Naquela altura [finais do século XVIII] a Real Companhia Velha queria expandir os seus negócios, e então manda o José Pedro Celestino Velho para representar o vinho do Porto na Rússia.

Falou no vinho da Madeira. Se bem me lembro era o favorito de Rasputine…

Há um mito em relação a Rasputine e ao vinho da Madeira: alguns afirmam que o vinho da Madeira foi um dos meios para envenenar Rasputine. Isso é mentira. Foi utilizado um vinho a que chamam vinho da Madeira, mas é produzido na Crimeia.

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