Montepio. Mutualista a ‘baralhar’ as contas

As contas referentes a 2019 já deveriam ter sido apresentadas, mas deverão ser conhecidas até junho. Resultados transitados de quase mil milhões de euros negativos do banco não deverão permitir a distribuição de dividendos aos associados da Mutualista nos próximos anos.   

Numa altura em que a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) se prepara para apresentar os resultados de 2019, as incertezas em relação às contas vão ganhando cada vez maiores contornos, apurou o SOL. Um dos entraves diz respeito ao facto de o presidente da Mutualista, Virgílio Lima, ainda estar em negociações com a auditoria PwC para o fecho de contas que, de acordo com os estatutos da associação, deveriam ter sido apresentados até 31 de março. O SOL sabe que os resultados terão de ser apresentados até meados de junho. 

A contribuir para este impasse está a divulgação das contas do Banco Montepio, que apresentou resultados na semana passada (ver caixa em baixo), que apresentaram reservas e resultados transitados de quase mil milhões de euros negativos. Perante este cenário, não se antevê qualquer possibilidade de a instituição financeira distribuir dividendos aos associados da Mutualista nos próximos anos, apurou o SOL. A isto, acresce ainda o facto de o Banco de Portugal (BdP) ter aumentado as exigências de capital ao Banco Montepio, pressionando a Associação Mutualista. Exigências essas que, para já, estão suspensas devido à covid-19. 

Recorde-se que Eugénio Rosa, ainda esta semana, chamou a atenção para a necessidade de um reforço de imparidade de mais de 400 milhões de euros nas contas da Associação Mutualista para fazer face à ausência de desempenho do banco.

O economista alertou também para a redução entre o ativo e passivo. Entre 2017 e 2019, os capitais próprios do Banco Montepio reduziram-se de 1.730 milhões de euros para 1.452 milhões. «Desapareceram 278 milhões, devido a imparidades e menos-valias que foram contabilizadas diretamente na conta de capital indo diretamente para ‘reservas’ que, no fim de 2019, eram negativas atingindo o enorme montante de -920 milhões».

O que é certo é que com o fecho de contas do Banco Montepio, os seus capitais próprios atribuíveis ao acionista atingiram os 1.4 mil milhões de euros, somando já uma perda de 290 milhões no mandato liderado por Carlos Tavares. Se a este valor acrescertarmos 130 milhões de dívida subordinada assumida pela Mutualista (50 milhões em 2018 e 80 milhões em 2019), a gestão de Carlos Tavares ‘consumiu’ 420 milhões de capital aos associados da associação.

A verdade é que a Associação Mutualista tem escapado aos resultados negativos com ‘contabilidade criativa’. Se não fossem os ativos por impostos diferidos no valor de 800 milhões de euros decorrentes da perda de isenção de IRC, ocorrida no exercício de 2017 – quando Virgílio Lima já detinha o pelouro da contabilidade da Associação Mutualista – os capitais próprios seriam negativos em cerca de 200 milhões de euros. Essa perda de isenção de IRC foi estipulada por decisão da Autoridade Tributária após pedido de informação vinculativa em fevereiro de 2018. Uma polémica que levou a que Jorge Coelho, na altura, renunciasse ao cargo de presidente da Comissão de Remunerações.

Impasse nos estatutos mantém conselho geral

Só depois das contas da Associação Mutualista serem fechadas e aprovadas pelo conselho de administração é que será convocada a reunião do conselho geral para analisar os resultados. A partir daí, será convocada uma assembleia-geral (AG) de associados para a aprovação de contas. No entanto, este modelo de procedimentos só se mantém em vigor porque os estatutos aprovados em assembleia-geral em 2019 ainda não foram aprovados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Uma demora que também foi alvo de críticas por parte de Eugénio Rosa, que  aponta o dedo ao Banco de Portugal e ao Ministério tutelado por Ana Mendes Godinho por este atraso. «Apesar dos problemas que se acumulam no Banco Montepio, o Banco de Portugal nada fez e faz, e o Ministério do Trabalho, tem em seu poder um projeto de estatutos há quase um ano para se pronunciar, o que ainda não fez, permitindo o agravamento da situação na Associação Mutualista. Ambos são responsáveis pelo que acontecer no Montepio», referiu no estudo.

Isto significa que, caso os estatutos já tivessem sido homologados, o conselho geral já estaria extinto e teriam sido convocadas eleições para a assembleia de representantes – órgão que substituirá o Conselho Geral e que ficará igualmente com competências que são hoje atribuídas à AG.

Recorde-se que, com os novos estatutos, este novo órgão terá não só o poder de aprovar e alterar estatutos como também o de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências, nomeadamente avaliar a estratégia da associação.

A assembleia de representantes terá de ser composta por 30 membros – dos quais 15 têm de ser associados há mais de dez anos e outros 15 há menos de dez anos -, cuja lista terá de contar com 500 assinaturas. E cada lista terá de reunir cerca de 50 elementos. Além do presidente, secretário e dois suplentes terá ainda de incluir vários representantes, totalizando os tais 50 membros. Com esta estrutura, vão deixar de existir as assembleias-gerais tal como ocorrem hoje.

Outra alteração constante nos novos estatutos diz respeito ao conselho de administração, que passará a contar com sete administradores em vez dos atuais cinco, dos quais dois poderão não ser executivos, apurou o SOL. No entanto, essa alteração só irá entrar em vigor em 2022, altura em que irão ocorrer as eleições para o órgão.

Aliás, estas mudanças que levaram um grupo de associados – entre os subscritores desta carta estão Félix Ribeiro, Carlos Areal ou Viriato Silva – a entregar um pedido ao Governo para não serem registadas essas alterações, por considerarem que não respeitam as regras do novo código mutualista.

Recorde-se que o Governo publicou um despacho que fez com que a associação passasse a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – no que diz respeito à supervisão dos produtos mutualistas -, apesar de beneficiar de um período transitório de 12 anos devido à sua dimensão. Ainda assim, a tutela da associação continua a ser o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta foi uma das preocupações do Governo e das autoridades reguladoras, ao defenderem que os produtos financeiros das mutualistas passassem a ser fiscalizados por um regulador financeiro, face à ausência de supervisão que existia. Isto significou que a comercialização de modalidades de benefícios de segurança social terá de cumprir as mesmas regras a que estão sujeitos os produtos financeiros das seguradoras.

Investigação do BdP

Ainda em marcha está a investigação do Banco de Portugal. 

O regulador antevê riscos nos contratos de trabalho dos colaboradores do Montepio. A explicação é simples: a entidade liderada por Carlos Costa está a investigar há mais de um ano e meio os contratos de cedência de pessoal que existe entre a instituição financeira e a Associação Mutualista, dona do banco, isto porque entende que não está garantido que o banco possa assegurar o regresso dos colaboradores no caso da Mutualista ter dificuldades em manter esses trabalhadores, apurou o SOL.

Recorde-se que a instituição financeira, na altura liderada por Dulce Mota, avançou em fevereiro do ano passado com uma nova imagem do banco e com uma nova designação comercial – deixou de ser Caixa Económica Montepio Geral para passar a chamar-se Banco Montepio. Carlos Tavares chegou a revelar que não fazia sentido tirar a designação Montepio. 

«Nunca achei que fosse uma boa opção [tirar a designação Montepio]. Foi possível conjugar esta distinção institucional clara com a preservação da marca que para nós tem muito valor», declarou, na altura, o chairman da instituição financeira.