Pós-pandemia do coronavírus (covid-19): o regresso à ecologia, o grande desafio do séc. XXI

A atual pandemia colocou em evidência mudanças ambientais que pensávamos ser impossíveis de acontecer neste século

por Elsa Severino
Arquiteta paisagista

De acordo com a imprensa, durante o período de confinamento, seis em cada 10 franceses «regressaram aos seus jardins privados», pois, num mundo ameaçado, ali encontraram a tranquilidade, o bem-estar e a segurança. Estes dados revelam a importância dos espaços verdes a nível emocional e social.

Em Montreal, temos a recente proposta de um parque urbano com uma área oito vezes maior do que o Central Parque de Nova Iorque, para que seja o futuro pulmão verde da cidade. E algumas capitais europeias admitem construir uma rede de jardins de proximidade, para que os habitantes possam dispor de espaços verdes junto à habitação sem a necessidade de grandes deslocações.

Está em curso uma mudança no urbanismo e a ecologia ganha terreno, pois as grandes concentrações de pessoas acarretam maiores riscos, como temos assistido com a propagação deste vírus e a dificuldade do seu controlo. Mas, entusiasmos à parte, também sabemos que perante um sistema político frágil a ecologia rapidamente será tragada pelo ‘sistema’.

Muitos portugueses rumaram ao campo pelas mesmas razões: vida sã em comunhão com a Natureza. Mas que paisagem encontraram no interior do país?

 Vários textos científicos fazem a correlação entre a desflorestação mundial e o aparecimento de pandemias. A nossa aproximação aos animais selvagens, devido à destruição dos seus habitats naturais, coloca-nos – colocou-nos – em perigo.

Em Portugal, a destruição da paisagem tem sido uma constante, quer devido aos fogos florestais, à invasão do eucalipto, ameaçando o fundo de fertilidade das terras, ou ao abandono dos campos; devido também a uma agricultura intensiva e às indústrias poluentes dos solos, da atmosfera e dos cursos de água. Estes fenómenos de ‘mutilação’ dos nossos ecossistemas são a causa da desertificação acelerada a que assistimos, e o próximo colapso será o das ‘alterações climáticas’ – que afetará particularmente o nosso país. Portugal será mais seco, mais perigoso e muito mais pobre se nada fizermos de modo diferente.

A atual pandemia colocou em evidência mudanças ambientais que pensávamos ser impossíveis de acontecer neste século.

Assim, esta é a oportunidade para pensar e agir diferente, pois a ‘natureza não é infinita’, os ecossistemas não se renovam facilmente e em causa está a nossa sobrevivência, como claramente visto no nosso dia-a-dia. As crises, esta crise sanitária, deverá despertar-nos para uma outra lógica assente na ‘ecologia’, com vista a um desenvolvimento sustentável no tempo.

 Estaremos dispostos a encerrar as indústrias poluentes com vista a uma transição ecológica? O novo ‘Compromisso Verde Europeu’ pode esperar? Portugal tem o objetivo de descarbonizar a economia até 2050, mas os cientistas admitem ser necessários prazos ainda mais curtos.

Esta pandemia indicou-nos claramente os caminhos a seguir:

– Diminuição das atividades ligadas às energias fósseis, mas também a preservação dos recursos naturais, pois a sua regeneração não é infinita;

– Apoio à eco-economia, baseada no ‘primado do humano e da ecologia’;

– Recuo na ‘especialização’ de vastos territórios do país ou do planeta para a produção de bens essenciais.

O desenvolvimento das novas energias, proteção do solo, da água doce e salgada, estudo da erosão costeira, promoção de uma agricultura sem adubos, defesa da biodiversidade local, nacional ou planetária, são passos essenciais de um novo compromisso ambiental.

 E um novo urbanismo aparecerá por inerência, se a especulação dos terrenos e o continuado crescimento das grandes metrópoles for travado. Admitir que a Natureza em estrutura verde contínua tem um papel modelador na cidade para todos, limitar a poluição individual e aumentar a área verde por habitante (8 a 10m2) são ainda pressupostos para uma nova ecologia urbana.

Lisboa, o seu rio e estuário necessitam de medidas de proteção. Os estuários, onde se processa uma vasta atividade biológica essencial para muitas espécies piscícolas e para as aves migratórias, não devem ser destruídos, pois não há retorno para estes habitats. Conclui-se que os equipamentos aeroportuários não devem ter a primazia sobre o ambiente.

O ‘conhecimento’ científico’, vital neste tempo de desafios vários, deverá estar disponível aos pequenos investidores comprometidos com o ambiente, pois a democratização da ciência será fundamental para o sucesso de todas as mudanças.

O ambiente e as opções na área da ecologia revelam também a ‘robustez democrática’ do sistema político de um país; as decisões não poderão ser unilaterais, beneficiando grupos de pressão, mas sim tomadas com base num conhecimento do território e assentes nas reais expectativas de todos os indivíduos, garantindo, no entanto, a perenidade dos recursos naturais.

Esta é a época da ‘gestão sustentável – a da ecologia científica’; a época de ‘menos produtos exóticos, menos camiões e automóveis, mais comboios, mais bicicletas, mais camponeses e… mais paisagistas!

Esta é a grande batalha do séc. XXI.