Joseph Cornell e a poesia de meio-tostão

Não é habitual, mas já me aconteceu por mais de uma vez comprar um livro simplesmente por achar que tinha uma capa bonita, à espera talvez de que tivesse um conteúdo a condizer. Foi o caso de um livro em inglês intitulado A Convergence of Birds, que exibia na capa um objeto do artista norte-americano…

Não é habitual, mas já me aconteceu por mais de uma vez comprar um livro simplesmente por achar que tinha uma capa bonita, à espera talvez de que tivesse um conteúdo a condizer. Foi o caso de um livro em inglês intitulado A Convergence of Birds, que exibia na capa um objeto do artista norte-americano Joseph Cornell. Um dia, quando quis saber mais sobre a obra deste artista, fui buscá-lo à procura de informação. Mas não encontrei lá nada que me ajudasse – apenas uns poemas experimentais e textos literários de que não gostei particularmente…

Decidi então encomendar outro livro sobre Joseph Cornell. Face à oferta disponível, guiando-me pelos comentários e de acordo com a minha disponibilidade, a escolha recaiu sobre Dime-Store Alchemy – The Art of Joseph Cornell, do poeta Charles Simic. Chegou há dias.

Mais uma vez, a capa era promissora, tal como o título, que eu traduziria por qualquer coisa como ‘Alquimia de Loja de Meio-Tostão’ (dime-store é uma expressão usada para designar lojas que vendem artigos baratos, quinquilharia, coisas em segunda mão). Porém confesso que pareceu-me demasiado fino para ter substância e, ao ler um comentário reproduzido na contracapa, fiquei a pensar se não teria voltado a cometer um erro: «Dime-Store Alchemy é até ao momento a mais sustentada resposta literária às caixas, montagens e filmes de Cornell». Era suposto ser um elogio, mas funcionou precisamente ao contrário: se havia algo que eu não queria era mais literatura – queria factos, pistas, interpretações, informação.

Afinal, acabou por ser isso que encontrei no interior. Simic juntou detalhes biográficos sobre Cornell, fragmentos dos seus escritos e belas descrições dos seus enigmáticos objetos, num livro que funciona, tal como as caixas do artista (que combinavam recortes, brinquedos estragados, pedaços de mecanismos encontrados nos passeios), como uma espécie de máquina dos sonhos.

«Nas ruas percorridas por Cornell há quarenta anos, ainda havia vendedores de sanguessugas medicinais; importadores de carne de tatu e de ovos de avestruz», escreve Simic nas páginas iniciais. «Havia pessoas como a Sr.ª Delphine Binger, que colecionava ‘ossos da sorte’ de gansos, perus e galinhas, os quais cozia e polia para os decorar com amuletos e fitas de cetim. Depois enviava-os a presidentes, estrelas do cinema e políticos famosos da mesma forma que Cornell enviava papelinhos e objetos estranhos às bailarinas por quem se apaixonava».

Cornell, que se tornou um artista respeitado, desde que a família se mudou para Nova Iorque nunca de lá saiu, e produziu toda a sua obra na cave da casa onde vivia com a mãe e o irmão Robert, que sofria de paralisia cerebral. O pai morrera novo, deixando-os em dificuldades. Escreve Simic: «O verdadeiro brinquedo é um objeto poético». O pleno sentido das caixas de Cornell continua a escapar-nos – e isso faz parte do seu encanto. Mas, com os seus bonecos, pássaros, joias a fingir e imagens recortadas, emanam uma poesia tão intensa que, quem sabe, podia até ser entendida e apreciada pelo seu adorado irmão.