A grande farra à portuguesa

No já longo caminho da democracia, não me recorda de nenhum episódio financeiro tão irracional e tão injustificado como este.

Estava muito longe de imaginar, quando me lembrei de um filme franco-italiano de 1973, que foi uma referência de liberdade para a minha geração pós 25 de Abril, que um dos principais protagonistas desse filme, Michel Picolli, morreria poucos dias depois. Referi-lo aqui, desta forma simples, é também uma homenagem.

O filme em análise – La Grande Bouffe – que descreve magistralmente o percurso irracional (?) para o suicídio coletivo das personagens, veio ao meu espírito, enquanto se conheciam as notícias, os factos e os comentários burlescos da última crise política à volta do Novo Banco que teve em Marcelo, Costa e Centeno os seus protagonistas principais.
No já longo caminho da democracia, não me recorda de nenhum episódio financeiro tão irracional e tão injustificado como este, com a agravante de ter ocorrido num momento em que as atenções dos portugueses e dos seus responsáveis políticos deveria, ser dirigida, em exclusivo, para as tarefas que visam minorar a grave crise sanitária, económica e social que atravessamos.

Devo referir que, embora com outros contornos e em circunstâncias diferentes, já imaginava que uma ‘estória’ destas, opondo o primeiro-ministro ao seu ministro das Finanças, acabaria, mais cedo ou tarde, por aparecer no espaço público. Lembro o texto De que ri Mário Centeno? que publiquei, neste espaço, em 9 de novembro de 2019.

No fundo o que esteve, está e continuará a estar em causa, é um confronto de ‘egos’ que resulta diretamente da personalidade dos protagonistas e do sentido de responsabilidade que cada um é capaz de assumir em circunstâncias muito difíceis.

É claro que o ministro das Finanças, fez, neste caso o que devia ter feito e, por isso, com ou sem falha de comunicação, não pode ser qualificado, de desleal como, rapidamente, decretaram alguns dos comentadores oficiais do regime.

De resto, se a tese da deslealdade tivesse um mínimo de justificação, como se poderia compreender que o PM reafirmasse, de forma muito rápida e enfática, a sua confiança pessoal e política no Professor Centeno? Deslealdade sem consequências políticas remeteria este episódio para um nível de degradação maior com reflexos na qualidade da própria democracia.

Foi mau, porque não havia necessidade, que o sr. Presidente da República tenha contribuído, com a sua quota-parte, para este lamentável espetáculo. Um péssimo momento do Presidente, condicionado por boas ou más razões que o futuro desvendará, mas que acabará, certamente, para o bem de todos, por ser ultrapassado.

As ‘simpáticas’ previsões negativas da Comissão Europeia, mas em especial as projeções reais da evolução futura da economia portuguesa, apresentadas pelo INE, revelaram, se fosse necessário, que este não é um tempo para crises artificiais e pessoais, para calculismos profissionais ou políticos, ou para ajustes de contas e que, seguramente, não é compatível com a irresponsabilidade que pode deitar tudo, ou quase tudo, a perder.

O recuo nos compromissos assumidos internacionalmente a propósito do Novo Banco, se fosse concretizado, provocaria uma retração nos mercados monetários, de enorme gravidade em relação às necessidades de financiamento de Portugal.

Quando Mário Centeno afirmou, no momento final (provisório?) da crise, que, «enquanto ministro das finanças, nunca permitiria que um debate parlamentar, sem sentido, pusesse em causa o futuro de uma instituição bancária a funcionar, com clientes e depositantes concretos, abrindo caminho a uma inevitável crise bancária», disse o que devia ser dito, dirigido a quem o devia ouvir e, nomeadamente, a quem o tinha de entender.

Por isso não tem qualquer sentido e não é útil para o país que a discussão seja agora sobre o futuro imediato de Centeno. Se houver bom senso e sentido de responsabilidade o ministro das finanças continuará no seu lugar (agora em tempos difíceis) e também deve candidatar-se à renovação do seu mandato à frente do Eurogrupo, indiferente, aos obstáculos que alguns (ele saberá quem e como) vão colocando no seu caminho.

Portugal precisa de uma forte ajuda europeia para a recuperação da sua economia, que só agora começa a ser esboçada, e a competição pelos limitados recursos que vão estar disponíveis vai ser muito dura. Só faltava agora que depois das insensatas críticas do governo português ao seu homólogo dos Países Baixos, (que alguns irresponsavelmente estimularam), o nosso país surgisse nas próximas negociações com um ministro das Finanças enfraquecido por estar a prazo e (ou) ser objeto de rejeição enquanto presidente da Zona Euro.

Embora tenha beneficiado de uma conjuntura excecional irrepetível, pois esteve no local certo no momento mais favorável, Mário Centeno tem sido um excelente ministro das Finanças. Os índices de apoio da população portuguesa comprovam-no de forma inequívoca e, às vezes, parece que é isto que, alguns, pretendem transformar na sua debilidade.

Uma solução diferente comprovaria que, com efeito, a política hoje só serve para os perplexos. Não é este ainda o momento para Mário Centeno deixar de sorrir!

Para Grande Farra, já bastaram os espetáculos da semana passada.