Barragens. “Do ponto de vista hídrico, ainda bem que não temos cá turistas”

Quercus admite ao i que Portugal atravessa uma crise “gravíssima” no sul do país. Associação Zero também alerta para baixos níveis de água nas barragens.

A chuva que caiu nas últimas semanas ajudou a reforçar as reservas de água em praticamente todo o país, mas o problema “gravíssimo” que Portugal tem em torno das barragens continua a ser preocupante para as associações ambientalistas, que falam em questões de seca recorrente há vários anos. Ao i, a coordenadora do grupo de trabalho da Água da Quercus, Cláudia Sil, admitiu que a “melhoria muito pequena” nas últimas semanas não faz com que se possa “respirar de alívio” quanto ao volume de armazenamento de água nas barragens, nomeadamente no sul do país.

“Realmente melhorou, mas mais no norte. Até meados de maio, [a chuva] repôs as reservas, mas não de forma significativa. E Portugal tem um problema gravíssimo. O Sul está com um problema recorrente de seca há vários anos. Em abril tínhamos 54% do território em situação de seca. Não estamos a falar de seca extrema, mas não deixa de ser seca. É muito grave. Caminhamos a passos largos para uma desertificação a sério. Pode haver uma atenuação neste momento porque é possível que haja uma redução de consumos, pois, reduzindo-se o turismo no Algarve, isso vai reduzir o consumo. Por isso, a pouca reserva que exista, se calhar, também não vai ser muito consumida e, por essa razão, o ano de 2020 é capaz de não ser muito complicado. Mas estamos longe de não termos um problema. Portugal tem um problema muito grave”, admitiu a responsável, explicando que a própria quantidade de precipitação não tem aumentado e relembrando que é preocupante o facto de haver barragens com 30% da sua capacidade máxima no início da primavera.

“É uma melhoria muito pequena. Em abril estávamos com 30% das reservas. E estamos no mês de maio, a verificar-se um aumento de temperaturas e uma diminuição da pluviosidade. Uma barragem que no início da primavera está com 30% da sua capacidade máxima é preocupante. Nem a meio está”, revelou.

Certo é que das 59 albufeiras monitorizadas, 25 apresentam disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e nove estão abaixo de 40%. São números que, apesar de parecerem positivos, têm um peso significativo, segundo Cláudia Sil, que fala ainda de outros problemas relacionados com a seca.“Estamos sempre à espera de anos com maior precipitação, mas isso não acontece. Até acontece o contrário. Aí, já podemos ir à questão das alterações climáticas. Nos últimos anos, em Portugal, chove menos. E depois temos outro tipo de situações gravíssimas, como o caso do rio Tejo. Aquela diminuição do caudal é o sequestro da água a montante transfronteiriço. É muito preocupante”, atirou.

Rio Sado com situação mais grave
Existem barragens da bacia do rio Sado com valores muito preocupantes de capacidade nesta altura, havendo albufeiras com números inferiores a 20%. Segundo Cláudia Sil, esta talvez seja a situação mais grave do país, e sublinha que no Ribatejo, Alentejo e Algarve é sempre muito difícil colmatar o período de seca. “Há uma redução da recarga entre abril e maio, porque chove menos e a tendência é essa. Os dados finais da última quinzena de maio mostram situações com alguma gravidade. Os piores são a sul. O rio Sado é talvez a situação mais grave, neste momento, no país, com albufeiras como Campilhas, Monte da Rocha e Monte Gato com valores inferiores a 20% de capacidade. É muito baixo. O rio Guadiana também tem algumas albufeiras com cerca de 40% de capacidade”, alertou, dizendo também que a seca extrema faz com que surjam outros problemas que já deram origem a denúncias graves.

“Há outras situações que nos são reportadas relacionadas com as condições de água muito diminutas nas albufeiras. Aumenta a temperatura externa e, por isso, além da poluição, aparecem os casos de eutrofização, que é o crescimento excessivo de algas. Já temos uma denúncia com alguma gravidade em Alcácer do Sal. Desde 1990 que nunca se verificou um nível de recarga tão baixo como este ano no centro do país”, concluiu.

De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), já não há nenhuma região do país em situação de seca severa ou extrema, mas os dados também indicam que nos últimos dias tem chovido cada vez menos – outro fator de preocupação, segundo Cláudia Sil. “Os dados do IPMA em relação à pluviosidade e ao regime de seca no sul do país indicam que tem chovido cada vez menos. No total, chove menos. Isto parece um pouco cruel mas, analisando do ponto de vista hídrico, ainda bem que este ano não devemos ter em Portugal turistas a tomar muitos banhos por dia. Essa é que é a realidade”, disse.

A Associação Zero, contactada pelo i, também revelou preocupação relativamente ao nível das águas nas barragens e falou igualmente na agricultura, que também vai sofrer consequências da falta de chuva em Portugal. De acordo com Francisco Ferreira, presidente da direção, há que ter em atenção a zona sul do país que, com a tendência de menos precipitação nos próximos meses, poderá entrar novamente num período de seca extrema.

Fevereiro com níveis preocupantes
Em fevereiro, recorde-se, níveis muito preocupantes de seca já alarmavam os ambientalistas, particularmente no Alentejo e no Algarve, e, em abril, a situação apresentava também contornos difíceis de controlar. Há cerca de um mês, das 59 albufeiras monitorizadas, 14 tinham disponibilidades inferiores a 40% do volume total, localizando-se a maioria no Sudoeste alentejano e no Barlavento algarvio.

“No final de março verificou-se uma diminuição da intensidade da seca meteorológica nas regiões a sul, mas com 16% do território em seca severa e mais de 25% em seca moderada – no total, mais de 54% do território nacional em situação de seca”, já referia a Quercus.Também a Associação Zero havia alertado, em abril, que a chuva que se fez sentir nos primeiros meses do ano podia não ser suficiente para equilibrar o nível de água nas barragens. “Houve mais chuva no Alentejo e no Algarve. Por isso, acredito que [a situação] terá mudado consideravelmente entre finais de março e abril. Sei que [o nível] está mais equilibrado nas barragens das bacias do Sado e do Guadiana, mas poderá não ser suficiente”, admitiu na altura Francisco Ferreira, realçando aquilo que deve ser feito tendo em conta o Plano Nacional de Barragens.

“Depois do período de seca que tivemos deixou de se falar de boas práticas e acho que isso não deve ser esquecido. O Plano Nacional de Barragens termina agora, em 2020, e nunca teve expressão. Gostava que viesse a ter ou que continuasse a ser um elemento fundamental de gestão da água no nosso país”, rematou.