Se isto não é um milagre…

E ei-los que repetiram em Ovar o ‘milagre de Palmela’, novamente juntos numa visita após consolidarem a ‘tradição’ da Autoeuropa. 

O Presidente e o primeiro-ministro não dão tréguas aos media. E, seja em calções e de toalha ao ombro ou de fato e gravata, desdobram-se diariamente em intervenções públicas que os banalizam mas de que as sondagens parecem gostar. 

E ei-los que repetiram em Ovar o ‘milagre de Palmela’, novamente juntos numa visita após consolidarem a ‘tradição’ da Autoeuropa. Desta vez, porém, a surpresa já não foi o pré-anúncio da recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência, mas sim o elogio rasgado deste a Rui Rio, por ter poupado o Governo a críticas durante a fase mais aguda da pandemia.

Aguardam-se as próximas revelações. Por agora, o líder social-democrata, sensibilizado com a distinção presidencial, continuará, compenetrado, a desenvolver a sua estratégia ‘patriótica’ de fingir que é oposição. 

Houve tempo em que se teorizou sobre as vantagens de uma oposição forte e credível, como âncora do regime, para fiscalizar o Governo e garantir o regular funcionamento da democracia. É uma tese em desuso, como se comprovou em Ovar, epicentro de uma promissora ‘cruzada’ em nome da ‘unidade nacional’. 
O cenário foi bem escolhido, quando se sabe que o atual presidente do Município deu um contributo decisivo para eleger Rio no PSD, muito antes de ter alcançado o estatuto de ‘herói’ durante o cerco sanitário. E Marcelo sabe disso. 
Depois, raramente um líder da oposição se mostrou tão ‘light’, frouxo e colaborante.

Perante tamanha harmonia institucional, bem se compreende que Pablo Iglésias – protagonista da extrema-esquerda e vice do Governo espanhol – tenha invejado nas páginas do Expresso a diferente atitude entre a oposição portuguesa e a espanhola. Por lá, a oposição funciona e manifesta-se nas ruas. Por cá, é um ‘faz de conta’… 

O Grupo Balsemão (que ‘hospeda’ há muito Francisco Louçã, na SIC e no Expresso, dando ‘colo’ à esquerda radical chique) abriu agora as páginas do semanário ao ‘elaborado’ pensamento do líder do Podemos, para quem «mais tarde ou mais cedo os espanhóis decidirão se querem que a chefia do Estado seja eleita por fecundação ou por voto democrático». Um ‘achado’ no divã político. 

Iglésias tem-se revelado muito ‘criativo’ desde o tempo em que comprou um chalé de luxo perto de Madrid, por preço elevado, depois de zurzir ‘forte e feio’ num ex-ministro por ter feito o mesmo… A contradição não o demitiu do Podemos nem foi demitido. E chegou a ministro…

Claro que os ‘imaculados’ princípios de Iglésias lembram, irresistivelmente, a história de um vereador do Bloco em Lisboa, que condenava a especulação imobiliária nas sessões camarárias enquanto especulava no mesmo ramo para as bandas de Alfama. Não chegou a ministro e desapareceu de cena. Mas há tentações e enriquecimentos comuns na mesma família ideológica…

Afinal, Sánchez foi mais permeável do que Costa, que prefere partilhar a popularidade de Marcelo – com Rio a segurar no pálio – do que aturar os caprichos bloquistas. 

Em Espanha, pelos vistos, é mais fácil ao Rei empossar um Governo com elementos hostis à Coroa do que em Portugal a República dar guarida à ‘linhagem’ de Louçã ou Catarina e sentá-los em Conselho de Ministros.

No meio deste ‘puzzle’, é natural o sobressalto em Manuel Monteiro, querendo devolver a «decência» à política, depois de forçar o regresso ao CDS por pressentir – com propriedade – que «perdeu-se a vergonha». Monteiro chegou muito jovem a líder do CDS mas bateu com a porta, às avessas com o partido – apostado em fundar uma nova agremiação, o PND, extinta em 2015 pelo Tribunal Constitucional, por não prestar contas, após um percurso atribulado.

Porém, ao contrário de Pedro Santana Lopes – que em dissidência com o PSD lançou sem ‘ruído’ a Aliança –, Monteiro dedicou-se anos a fio a arrasar o seu antigo partido, facto que não lhe causou o menor embaraço ao reclamar a refiliação.

São as voltas que a vida dá, e a generosidade do novel líder Francisco Rodrigues do Santos, que deseja um CDS onde todos caibam, sem perceber que alguns podem ser ‘cavalos de Troia’.

Com a direita fragmentada, à deriva e sem fôlego, Marcelo virou-se para a esquerda, revendo-se nela como se lhe pertencesse. 

Afinal, já em 2015 Marcelo pôs a boina e foi à Festa ‘ecuménica’ do Avante! para perceber «a realidade, única na Europa, de um partido que mobiliza jovens» e que «não tem comparação nem com Podemos, nem com Syriza, nem nenhuma outra força política europeia».

Com este conhecimento direto, é lógico que o Presidente tenha promulgado a proibição de festivais de Verão, com a ressalva do evento comunista da Quinta da Atalaia, por ser uma «iniciativa política» – insuscetível, portanto, de atrair a covid-19… Se isto não é ‘um milagre’…