As desigualdades do desconfinamento

Nos últimos dias verificaram-se focos de contágio na Área Metropolitana de Lisboa relacionados com algumas atividades profissionais ou com condições habitacionais. Em conjunto, estes focos coincidem com grupos de pessoas em condições económicas e sociais mais débeis, seja pelas condições habitacionais, seja pela exposição ao contágio, por exemplo através da utilização de transportes públicos ou…

Depois de quase dois meses de dever de recolhimento generalizado e encerramento de quase todas as atividades sociais e económicas, impostos na sequência da pandemia de covid-19, durante o mês de maio teve início a sua retoma gradual e faseada.
Apesar de alguma resistência, as máscaras impuseram-se como acessório comum e até obrigatório em algumas circunstâncias e a desinfeção frequente passou a ser a norma. As pessoas começaram a sair para a rua, o pequeno comércio reabriu, a restauração voltou a ter portas abertas, as escolas voltaram a funcionar, os museus reabriram, muitas pessoas retomaram a sua ocupação profissional e está prevista para breve a retoma de outras atividades como as desportivas, espetáculos e até a aviação comercial. Também se prevê a reabertura de fronteiras e a possibilidade de os emigrantes visitarem o país.
Estas últimas semanas foram um misto de vontade de regressar à vida normal e de receio por essa retoma. O bom tempo ajudou a preencher ruas, esplanadas e até praias. As pessoas tinham saudades da rua e do convívio. Mas foi notório o receio das pessoas em reocuparem o espaço público e os transportes.

As restrições e condicionamentos são muitos mas necessários, tal como é vital a retoma da iniciativa económica. Mas quanto maior a atividade, maior é a responsabilidade individual e maiores são os riscos. Para alguns, o regresso é impulsionado pela vontade de socializar, para muitos é uma necessidade ditada pelas obrigações profissionais. 
Mas as restrições e obrigações não parecem equitativas, tal como não é o respetivo cumprimento. Deve ser destacado o bom exemplo do setor da restauração e da sua associação representativa nas medidas adotadas para o funcionamento dos restaurantes. Por um lado, algumas das medidas são decisivas para ganharem a confiança dos clientes, mas é fundamental que sejam cumpridas. Ao mesmo tempo, o recente anúncio da retoma da aviação civil com lotação completa parece chocar com as restrições à generalidade das atividades. Se a viabilidade económica das companhias aéreas depende de uma elevada lotação, o mesmo acontece na restauração ou na hotelaria.

Por um lado, para a restauração, hotelaria ou comércio as restrições são inúmeras, por outro lado, para a aviação para o futebol ou para algumas atividades partidárias como é o caso da Festa do Avante!, parece não ser adotado o mesmo critério de prudência. Este desequilíbrio induz a sensação de subordinação a pressões e interesses de grupos que geram legítimos sentimentos de injustiça.
No entanto, a desigualdade mais gritante diz respeito às condições sociais. Nos últimos dias verificaram-se focos de contágio na Área Metropolitana de Lisboa relacionados com algumas atividades profissionais ou com condições habitacionais. Em conjunto, estes focos coincidem com grupos de pessoas em condições económicas e sociais mais débeis, seja pelas condições habitacionais, seja pela exposição ao contágio, por exemplo através da utilização de transportes públicos ou pela atividade profissional sujeita a contactos permanentes.
A recente epidemia revelou a importância da capacidade do Estado para assegurar serviços de saúde, apoio sanitário, social ou laboral. Importa que na retoma da atividade haja a sensibilidade e a capacidade de apoiar aqueles que, por razões profissionais ou sociais, estão mais expostos aos riscos de contágio que continuam presentes na comunidade.