Montepio. ASF faz ultimato à Mutualista

Regulador dos seguros deu 30 dias à associação liderada por Virgílio Lima para apresentar resultados de 2019. Norma foi publicada dias depois de o SOL  ter revelado que Mutualista estava a ‘baralhar’ contas.

Montepio. ASF faz ultimato à Mutualista

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) fez um ultimato à Associação Mutualista Montepio Geral para prestar contas referentes a 2019. O regulador publicou, no dia 20 de maio, uma norma regulamentar que exige às duas maiores associações mutualistas «o reporte inicial de informação respeitante ao regime transitório» previsto no novo código das associações mutualistas, envolvendo não só o Montepio, mas também a MONAF. O que é certo é que das associações abrangidas, a entidade liderada por Virgílio Lima é a mais relevante, não só pelo número de associados – conta com mais de 600 mil – mas também pelo volume de ativos. Com esta norma, a ASF vem impor que as contas individuais sejam apresentadas no prazo de 30 dias.

Tal como SOL avançou a 16 de maio, as contas referentes a 2019 já deveriam ter sido apresentadas até 31 de março, segundo os estatutos da associação, mas um dos entraves na divulgação dos resultados diz respeito ao facto de o presidente da Mutualista ainda estar em negociações com a auditoria PwC que, é ao mesmo tempo, a auditora do Banco Montepio desde 2019.

Também a contribuir para este impasse está a divulgação das contas do Banco Montepio, que apresentaram reservas e resultados transitados de quase mil milhões de euros negativos. Perante este cenário, não se antevê qualquer possibilidade de a instituição financeira distribuir dividendos aos associados da Mutualista nos próximos anos, apurou o SOL. A isto, acresce ainda o facto de o Banco de Portugal (BdP) ter aumentado as exigências de capital ao Banco Montepio, pressionando a Associação Mutualista. Exigências essas que, para já, estão suspensas devido à covid-19.

A norma regulamentar da entidade liderada por Margarida Corrêa de Aguiar – imposição do regulador para o cumprimento do prazo de 30 dias para apresentação das contas individuais – estende-se também à apresentação de contas consolidadas, ou seja, terão de ter em conta os resultados do banco e das seguradoras detidas pela associação mutualista. O que é certo é que com o fecho de contas do Banco Montepio, os seus capitais próprios atribuíveis ao acionista atingiram os 1.4 mil milhões de euros, somando já uma perda de 290 milhões no mandato liderado por Carlos Tavares. Se a este valor acrescentarmos 130 milhões de dívida subordinada assumida pela Mutualista (50 milhões em 2018 e 80 milhões em 2019), a gestão de Carlos Tavares ‘consumiu’ 420 milhões de capital aos associados da associação.

 

Pressão sobe

A norma regulamentar prevê ainda outras implicações, ao obrigar a Associação Mutualista Montepio Geral a apresentar um relatório de solvência – que terá de estar certificado pelo auditor com data de 31 de dezembro de 2019. Uma exigência que poderá dificultar a vida de Virgílio Lima, uma vez que, as regras de solvência não permitem uma concentração no ativo com a dimensão que tem a participação no Banco Montepio (mais de 60% do ativo da Associação Mutualista).

Ao mesmo tempo, o regulador exige informação detalhada sobre a composição dos ativos financeiros, provisões técnicas e ativos por impostos diferidos. Um desses casos diz respeito aos créditos fiscais registados no balanço de 2017 no valor de mais de 808 milhões de euros quando a associação perdeu a isenção fiscal em sede de IRC, por pedido de informação vinculativa à Autoridade Tributária, altura em que Virgílio Lima tinha o pelouro da contabilidade.

No mesmo diploma, a entidade liderada por Margarida Corrêa de Aguiar vem exigir ainda uma clarificação sobre o sistema de governação, a conceção, distribuição, subscrição e execução das modalidades de benefícios da Segurança Social. No entanto, sobre o modelo de governação, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social ainda não se pronunciou em relação aos novos estatutos da Mutualista, aprovados em assembleia-geral de Associados em novembro passado.

Caso os estatutos já tivessem sido homologados, o conselho geral já estaria extinto e teriam sido convocadas eleições para a assembleia de representantes – órgão que substituirá o Conselho Geral e que ficará igualmente com competências que são hoje atribuídas à AG.

Recorde-se que, com os novos estatutos, este novo órgão terá não só o poder de aprovar e alterar estatutos como também o de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências, nomeadamente avaliar a estratégia da associação.

A assembleia de representantes terá de ser composta por 30 membros – dos quais 15 têm de ser associados há mais de dez anos e outros 15 há menos de dez anos –, cuja lista terá de contar com 500 assinaturas. E cada lista terá de reunir cerca de 50 elementos. Além do presidente, secretário e dois suplentes terá ainda de incluir vários representantes, totalizando os tais 50 membros. Com esta estrutura, vão deixar de existir as assembleias-gerais tal como ocorrem hoje.

Mas, segundo uma nota a que o SOL teve acesso, estas novas exigências não agradam a todos os associados, por considerarem que é mais difícil apresentarem candidaturas e que o processo eleitoral é antecipado para férias. «Uma candidatura passa a implicar mais candidatos e 500 apoiantes: um universo de 600 pessoas. A entrega das candidaturas é antecipada para 15 setembro a 15 outubro, quando até aqui era de 1 a 31 outubro, claramente com o propósito de trazer para o período estival a formação das candidaturas e dificultar ainda mais o seu surgimento».

Outra alteração constante nos novos estatutos diz respeito ao conselho de administração, que passará a contar com sete administradores em vez dos atuais cinco, dos quais dois poderão não ser executivos, apurou o SOL. Atualmente a estrutura conta com quatro elementos após saída de Tomás Correia.

Aliás, estas mudanças que levaram um grupo de associados – entre os subscritores desta carta estão Félix Ribeiro, Carlos Areal ou Viriato Silva – a entregar um pedido ao Governo para não serem registadas essas alterações, por considerarem que não respeitam as regras do novo código mutualista.

Recorde-se que o Governo publicou um despacho que fez com que a associação passasse a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – no que diz respeito à supervisão dos produtos mutualistas –, apesar de beneficiar de um período transitório de 12 anos devido à sua dimensão. Ainda assim, a tutela da associação continua a ser do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Esta foi uma das preocupações do Governo e das autoridades reguladoras, ao defenderem que os produtos financeiros das mutualistas passassem a ser fiscalizados por um regulador financeiro, face à ausência de supervisão que existia. Isto significou que a comercialização de modalidades de benefícios de segurança social terá de cumprir as mesmas regras a que estão sujeitos os produtos financeiros das seguradoras.

A ausência de resposta em relação aos novos estatutos tem sido alvo de críticas por parte de Eugénio Rosa, que aponta o dedo ao Banco de Portugal e ao Ministério tutelado por Ana Mendes Godinho por este atraso. «Apesar dos problemas que se acumulam no Banco Montepio, o Banco de Portugal nada fez e faz, e o Ministério do Trabalho, tem em seu poder um projeto de estatutos há quase um ano para se pronunciar, o que ainda não fez, permitindo o agravamento da situação na Associação Mutualista. Ambos são responsáveis pelo que acontecer no Montepio», referiu o economista.