Lisboa atrasa regresso à normalidade

Governo tem a convicção de que milhares de testes feitos na última semana foram eficazes e aponta levantamento das restrições em Lisboa e Setúbal para 15 de junho. Semana de feriados e deslocações traz novo risco de propagação ao país e segunda-feira o Executivo ouvirá as recomendações dos peritos. Esta semana já houve futebol e…

Lisboa atrasa regresso à normalidade

Não houve um aumento acentuado dos casos de covid-19, mas também não há sinais claros de melhoria. Tal como tem acontecido nas últimas semanas, a maioria dos novos casos de covid-19 concentraram-se esta semana na região de Lisboa e Vale do Tejo. Depois de o primeiro-ministro ter admitido que a abertura de centros de comerciais estaria para breve, o adiar da decisão para a próxima semana quebrou as expectativas do setor. Para os peritos, e o alerta foi feito ao i por Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, era a solução possível perante os indicadores. Agora segue-se uma semana com dois feriados e mais decisões.

O ponto de situação 
Até ontem a região de Lisboa e Vale do Tejo tinha registado mais novos casos do que na semana anterior, mas a evolução não foi tão marcada. Registaram-se desde a sexta-feira anterior até ontem 1830 novos casos na região, contra 1537 na semana transata. O aumento foi de 17,2%, quando na semana anterior tinha sido de 16,8% e na antecedente de 14,5, salto que esta semana não se repetiu. No último fim de semana, a preocupação subiu e o Governo envolveu pela primeira vez de forma pública os autarcas dos concelhos mais afetados – Sintra, Loures, Odivelas e Lisboa – no plano de ataque, que passou por rastreios em massa junto de trabalhadores do setor da construção civil e empresas de trabalho temporário na área das limpezas e distribuição.
Numa entrevista à TVI, o primeiro-ministro disse que foram testadas 17 mil pessoas neste universo, com uma taxa de positividade de 4%. Todos assintomáticos e pessoas na casa dos 20 a 40 anos, referiu António Costa. Serão assim 680 casos, que não se consegue perceber se entraram nos boletins da Direção Geral da Saúde. Pelo menos até quarta-feira, só tinham sido processadas mil análises, com 59 resultados positivos, disse na altura o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales. Nos 493 casos detetados na região de Lisboa naquele dia e no dia anterior, contribuíam para apenas 12% dos novos casos. Lisboa registou entretanto mais casos e nem todos em jovens, ainda que estes sejam a maioria. 
O SOL pediu um balanço ao Ministério da Saúde sobre os rastreios, mas não teve resposta até à hora de fecho desta edição. Ontem, depois de mostrar os internamentos a aumentar pelo terceiro dia consecutivo, o ministério corrigiu os dados, que afinal apontam para uma quebra. No briefing diário, o secretário de Estado da Saúde revelou que a ocupação de cuidados intensivos a nível nacional era de 62% e que há 215 camas vagas. Das que estão ocupadas, só 20% são casos relacionados com covid-19.
 Numa ronda pelos hospitais de Lisboa, o SOL conseguiu perceber que a tendência era ontem de alguma estabilização e até melhoria. O Hospital de Loures, que na semana passada chegou a ter 66 doentes internados,  ontem tinha 50 – e aqui pesaram também altas e ter sido possível transferir doentes para outras unidades e também estruturas residenciais como a Pousada da Juventude de Lisboa, que admitiu quatro pessoas que estavam internadas no hospital apesar de já terem alta clínica. Nesta situação, chegaram a estar mais de 20 doentes com covid-19 no Hospital Beatriz Ângelo, havendo ainda doentes de outras patologias que já podiam ter tido alta clínica. Ainda assim, mesmo com doentes a entrar, começou a ser desbloqueada a resposta na vertente social.
No Hospital de Santa Maria ontem estavam internados 57 doentes, 13 dos quais em cuidados intensivos, menos do que no início de maio e um ligeiro agravamento em UCI face à semana passada, o que resultou também de doentes transferidos de outros hospitais. O único hospital onde os casos aumentaram significativamente durante esta semana foi o Amadora-Sintra, que passou de 36 a 73 doentes internados, confirmou ao SOL fonte do Hospital Dr. Fernando Fonseca. Um surto num lar de Queluz levou a mais de 20 internamentos na unidade, um aumento  de casos que levou o hospital a ter de cancelar a retoma de cirurgias em duas salas que tinha previsto abrir esta semana, depois de, nos últimos meses, ter sido possível manter a funcionar metade dos 12 blocos. A pressão ontem já era menor, mas a situação tem trazido alguma instabilidade. Segundo o que o SOL conseguiu apurar, esta quinta-feira à noite estavam internados em hospitais da região de Lisboa 415 doentes, que são assim a grande maioria dos casos no país (ontem estavam internados em todo o país 424 doentes). No mesmo dia da semana passada havia 435 doentes internados na região.

Exames e operações não urgentes suspensas de novo
Apesar de a pressão não ser ainda evidente e de haver alguma folga nos hospitais da rede pública, o adiar da retoma da atividade não urgente nos hospitais e centros de saúde da região de Lisboa é para já um dos maiores impactos da situação que se vive agora a Sul, enquanto no Norte, Centro, Alentejo e Algarve o número de casos de covid-19 tem sido menor.
Depois de no domingo a ministra da Saúde, ao anunciar o esforços que iam ser feitos na região para controlar a epidemia, ter dito que a retoma seria mais lenta em Lisboa, um despacho assinado durante a semana por vários ministérios, deu instruções concretas para a intervenção em Lisboa e Vale do Tejo. «Os órgãos dirigentes dos serviços e organismos do SNS dos concelhos da Amadora, Lisboa, Loures, Odivelas e Sintra devem assegurar a prontidão da resposta à covid-19, mantendo a suspensão da atividade assistencial não urgente que, pela sua natureza ou prioridade clínica, não implique risco de vida para os utentes, limitação do seu prognóstico e/ou limitação de acesso a tratamentos periódicos ou de vigilância, designadamente, no âmbito do acompanhamento da gravidez, descompensação de doenças crónicas, vacinação, ou outros», lê-se no despacho, a que o SOL teve acesso, e que significou um travar dos planos da retoma da atividade, que nas últimas semanas teve uma quebra considerável tanto nos centros de saúde como nos hospitais e onde agora começam a ser reagendadas consultas e cirurgias. Ainda assim, com os hospitais a gerir a situação em função dos recursos disponíveis, o impacto não será igual em todos os concelhos e localidades.
O presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo confirmou ao i que as consultas programas de rotina seriam adiadas nos concelhos mais afetados uma ou duas semanas, isto ao mesmo tempo que as equipas das Unidades de Cuidados na Comunidade e Unidades de Saúde Pública do agrupamento de centros de saúde (ACES) foram mobilizadas para acompanhar a vigilância de doentes e contactos.  

Restrições na próxima semana? Governo decide 
No briefing diário de ontem, o primeiro pedido da diretora-geral da Saúde foi para que todos os que têm sintomas ou, não tendo, saibam que estão infetados ou tenham contacto com doentes, se abstenham de deslocações e cumpram o isolamento. Graça Freitas garantiu que a situação epidémica está à beira do controlo a nível nacional, mas sublinhou que é preciso um último esforço de contenção. Questionado sobre a próxima semana, com feriados e eventuais deslocações, e se poderá haver restrições, o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales sublinhou que são decisões tomadas em Conselho de Ministros. O próximo será na terça-feira e na segunda-feira haverá uma nova reunião com os peritos que têm apoiado o Governo na análise da epidemia, da qual deverão sair recomendações.
No Conselho de Ministros desta semana, onde foi aprovado um plano de estabilização que passará também por investimento no Serviço Nacional de Saúde para retoma da atividade e reforço dos cuidados intensivos para eventuais novas vagas de covid-19 – os valores do investimento não foram revelados pelo primeiro-ministro –, a decisão foi para já adiar a decisão de reabertura em Lisboa para a próxima reunião. 
O primeiro-ministro salientou no entanto que a confirmar-se o atual cenário de controlo da epidemia na região, a reabertura deverá acontecer a partir de 15 de junho, o que  significa que os centros comerciais continuam fechados pelo menos durante os feriados, neste fim de semana e no próximo. Esta semana, Lisboa recebeu os primeiros espetáculos culturais e começou o futebol. Também a época balnear arranca este sábado em muitas praias da região e do Sul do país, enquanto no Norte a reabertura da época balnear será no final do mês.
Perante a retoma de outras atividades, a decisão de adiar a reabertura dos centros comerciais é criticada pelo setor. «Desde o início do plano de desconfinamento, a 4 de maio, que centros e comerciais e lojas de retalho especializado têm vindo a preparar-se para a reabertura. Abrir uma exceção para a região de Lisboa – e num momento em que outras áreas de atividades estão autorizadas a iniciar as suas na mesma região – agrava a situação económica de um setor que, só no retalho especializado, representa 40.000 postos de trabalho diretos em todo o país». Para a APED, esta incerteza está a prejudicar gravemente «as empresas e os trabalhadores em áreas que em nada têm contribuído para a contaminação da população».

Preparar o inverno
Mesmo que o acréscimo de casos em Lisboa seja circunscrito, aumenta a preocupação de que é preciso preparar o inverno. Aos hospitais está a ser pedido o plano de contingência habitual, mas há unidades que estão já a delinear uma resposta concreta caso o covid-19 se encontre na altura a circular ao mesmo tempo que a gripe. O Centro Hospitalar Universitário de São João confirmou ao SOL que já está a fazer esse planeamento a nível interno, ultrapassado o maior embate da covid-19. O SOL sabe que também as Forças Armadas estão já a preparar-se para eventuais futuras vagas da epidemia.