Juan Carlos. A crónica do rei vai ser escrita pela pena do tribunal

O rei emérito de Espanha, Juan Carlos, anunciou, há um ano, a sua retirada da vida pública, mas os ‘fantasmas’ do passado que perseguiram o final do seu reinado de 39 anos, cercando-o por uma teia de polémicas e escândalos, voltam agora a assombrá-lo, provocando um novo embaraço no seio da família real espanhola (a…

O antigo rei é a ‘peça central’ da investigação que decorre, desde segunda-feira, dia 8, no Supremo Tribunal espanhol, e que pode levar Juan Carlos até ao banco dos réus para responder por fraude e branqueamento de capitais. A Justiça espanhola procura, nesta fase, perceber se os atos de que o rei emérito é suspeito foram cometidos após 2 de junho de 2014, data em que Juan Carlos abdicou do trono a favor do seu filho e, em consequência, perdeu o estatuto de imunidade que a Constituição espanhola lhe garantia – apenas neste caso poderá haver uma acusação.

Em causa, está a relação alegadamente promíscua que Juan Carlos, de 82 anos, alimentou durante décadas com governantes do Golfo Pérsico e, em particular, o papel que terá tido na construção da linha ferroviária de alta velocidade entre as cidades de Meca e Medina, na Arábia Saudita, projeto conhecido por ‘TGV do Deserto’, entregue, em 2011, a um consórcio de doze empresas espanholas (um negócio que superou os 6,7 mil milhões de euros).

Mas recordemos todo o processo. Este novo capítulo da faceta obscura da biografia de Juan Carlos – um intrincado labirinto onde se cruzam tragédias pessoais, amantes, ‘testas de ferro’ e empresas fictícias – começou a ser escrito há cinco anos, quando foram divulgadas as gravações onde Corinna Larsen, uma ex-amante alemã, entre 2006 e 2013, expôs os esquemas que, supostamente, permitiram ao antigo rei guardar, de forma ilícita, património e vários milhões em paraísos fiscais espalhados pelo mundo.

As famosíssimas ‘las cintas [fitas] de Corinna’, publicadas, em 2015, no jornal El Español, regressaram às primeiras páginas quando os procuradores suíços se cruzaram com o nome de Juan Carlos, no âmbito de uma operação de combate às operações de branqueamento de capitais no país: de acordo com a investigação, em 2018, Juan Carlos terá recebido ‘de presente’ do rei Abdullah da Arábia Saudita 100 milhões de dólares (cerca de 89 milhões de euros), montante que ‘viajou’, primeiro, para a Suíça e, depois, para as contas offshore da Fundação Lucum, sediada no Panamá, controlada pelo gestor Arturo Fasana e pelo advogado Dante Canonica, mas que teria como principal beneficiário o ex-rei espanhol. Em 2012, a fundação foi definitivamente encerrada. E a parte do dinheiro que (ainda) sobrava distribuída por várias contas particulares, entre as quais a de Corinna Larsen, ela própria uma ‘testa de ferro’, que terá recebido, por essa altura, uma suposta ‘doação não solicitada’ no valor de 65 milhões de euros, para si e o seu filho. Nos autos de investigação, consta, ainda, que pelo menos mais um milhão de euros terá sido reservado para a conta de uma outra ‘antiga amante’ de Juan Carlos, residente em Genebra, na Suíça. Em todo o caso, o destinatário final deste dinheiro seria sempre o monarca.

As relações suspeitas com os países do Golfo Pérsico não ficam, porém, por aqui: o El País avança que as autoridades suíças também encontraram o rasto de 1,9 milhões de dólares (1,7 milhões de euros) que teriam sido oferecidos a Juan Carlos pelo sultão do Barém. O gestor Arturo Fasana terá mesmo admitido aos investigadores que o antigo rei «é uma pessoa muito apreciada nos países
do Golfo», descrevendo todo o episódio: «[Juan Carlos] veio de Abu Dhabi para a minha casa em Genebra. Queria almoçar comigo. Disse-me que tinha recebido 1,9 milhões [de dólares]
do sultão do Barém».

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