O senhor que se segue…

Enquanto Centeno arruma as gavetas do Eurogrupo e do Terreiro do Paço, há quem trabalhe pro bono, em nome  da ‘causa pública’.

A substituição de Mário Centeno nas Finanças estava ‘escrita nos astros’ e, a menos que haja alguma ‘mudança de agulha’ inesperada, tudo parece indicar que, sem ‘período de nojo’, em breve estará à frente do Banco de Portugal, antes que seja aprovado o novo modelo de nomeação em debate no Parlamento.

A confirmar-se a transferência, à justa, será uma espécie de ‘prémio de consolação’ por não ter chegado ao BCE nem ao FMI, depois do mandato único no Eurogrupo.

Centeno poderá argumentar sempre, em resposta aos críticos da ideia, que antes dele houve outros. Mas nenhum se lhe compara. Nem no contexto nem no método. Com ele, as ‘coisas fiam mais fino’, e sobram as perplexidades.
De facto, não parece muito curial que caiba ao ministro ‘endossar’ ao sucessor a sua indigitação para o lugar que lhe interessa, como se o BdP fosse um pronto-a-vestir. Não se lhe pressentem, contudo, quaisquer pruridos éticos e, aparentemente, nem se incomoda com a ‘maldade’ do atual titular do cargo, que lhe atribuiu «todas as condições para ser um grande governador do Banco de Portugal».

É uma mal disfarçada picardia, sabendo-se da hostilidade que ambos mantiveram, religiosamente, sobretudo depois de Centeno ter sido preterido, em 2013, para o cargo de diretor do departamento de estudos económicos do BdP. 

Recorde-se que, assim que se viu ministro, Centeno ensaiou mesmo o despedimento sumário do governador, com o empenhado patrocínio de António Costa. 

Esteve a um passo de consegui-lo, e valeu ao governador na altura a ‘blindagem’ que passou a proteger os bancos centrais, a partir da criação do Eurosistema e da tutela do BCE. Depois, Carlos Costa também mostrou ser um ‘osso duro de roer’…

Centeno recuou, mas não desistiu do lugar. Se vier a ocupá-lo, é legítimo concluir que essa mudança só poderá concretizar-se devido a um crónico défice de escrutínio democrático – enquanto o Parlamento despertou para o problema ‘tarde e a más horas’. 

Convirá ainda não esquecer que o ‘Ronaldo das Finanças’ foi o braço-direito do primeiro-ministro na execução da política orçamental, coadjuvado por João Leão, seu ‘herdeiro’ no cargo, ambos bem identificados com as famigeradas ‘cativações’ que deixaram na penúria os serviços públicos, designadamente o SNS.

Enquanto Centeno arruma as gavetas do Eurogrupo e do Terreiro do Paço, há quem prefira, no entanto, trabalhar ‘pro bono’, alegadamente em nome da causa pública.

Em manifesto atropelo das regras e das competências do ‘baralho’ de governantes que sentou à sua volta, o primeiro-ministro aprecia cultivar uma nova ‘informalidade’, que consiste em recorrer aos amigos em dossiês sensíveis. E estes não se fazem rogados. 

Foi assim no anterior executivo com Diogo Lacerda Machado, e repete-se agora com António Costa Silva, que entrou ‘em funções’ pela ‘porta do cavalo’, ainda em abril, em regime sigiloso.

Foi tão insólito o recurso a Lacerda Machado em 2016, para «ajudar o Governo» em três dossiês, sem ter qualquer vínculo contratual (lesados do BES, BPI e privatização da TAP), como é, no mínimo, insólito, o recurso ao presidente executivo de uma petrolífera para «assegurar a coordenação dos trabalhos preparatórios de elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030».

A dúvida é óbvia: ou o Governo não possui ninguém capaz para tão magnas tarefas – desde as Finanças à Economia –, ou o novo ‘conselheiro especial’ tem virtudes e aptidões incomuns. 

O certo é que ‘aviou’ o programa para uma década num ápice, e ainda lhe sobejou vagar para desdobrar-se em entrevistas pouco normais no seu estatuto.

Será útil lembrar que Lacerda Machado, depois de ‘negociar’ a TAP pelo Estado, ‘de borla’, acabou investido em administrador da companhia, supõe-se que pago, o que lhe permitiu descobrir, em dezembro de 2019, que «a TAP hoje é uma companhia interessante» que «nos próximos tempos vai ganhar sustentadamente dinheiro». Viu-se. Mas é apenas um pormenor…

À época, Passos Coelho, considerou – e bem – «uma pouca vergonha» o Governo nomear para a administração «o mesmo homem que andou a negociar a reversão» da privatização da TAP. Mas tanto o visado como Costa ‘assobiaram ao cochicho’ e assim continuaram. 

Faltará agora saber qual o destino que aguarda Costa Silva, para lhe recompensar o afã…

Há um ‘karma’ do PS no poder. Os seus últimos líderes que chegaram a primeiro-ministro têm sempre amigos à ‘mão de semear’, seja com Sócrates para o ajudar nas aflições de dinheiro, seja com Costa para o aconselhar em matérias tão delicadas como o BES ou a TAP, ou, ainda, para desenhar um plano a prazo para os dinheiros prometidos por Bruxelas.

Afinal, os amigos, como ensina a sabedoria popular, são para as ocasiões…