Centeno – um ministro que ficou solitário!

A vida continua e Centeno anunciou a sua candidatura ao Banco de Portugal a tempo e horas, sentindo-se com capacidade para tal lugar de excelência. Veremos se o consegue. 

Os factos falam por Centeno e o PS nunca se esquece de nos relembrar: em 46 anos de democracia, foi o único ministro que trouxe um excedente orçamental de 0,2% no PIB. Uma vitória bem festejada, que Centeno se orgulha, como CR com seus golos e vitórias.

O PS glorifica-o na saída depois de muitas questiúnculas no seu reinado, a última das quais bem recente e da qual António Costa (AC) nunca se esquecerá. Entre amigos, eu ia dizendo que depois dos 850 milhões de euros emprestados pelas Finanças em nome do Fundo de Resolução ao Novo Banco sem AC se ter apercebido e até se ter pessoalmente exposto ao ridículo, seria sempre questão de tempo a saída. 

Pelo meio, a reunião noturna de 13 de maio em que as aparições de que nos recordamos (depois de um dia bem agitado envolvendo também Marcelo, declarações e desmentidos) foram de ambos aos salamaleques à saída de S. Bento, jurando a continuidade de Centeno. Durou até à apresentação do Orçamento Suplementar, decisão também acelerada pela necessidade de a 11 junho, quando da reunião do Eurogrupo em que se discutiria a sua mais que improvável continuidade, Centeno já se apresentar como ex-ministro, saindo assim airosamente pelo seu pé.

 A imprensa internacional só falava das alternativas para o lugar entre os ministros de Espanha e Luxemburgo e havia que preservar internacionalmente a imagem de Centeno, afinal o CR das Finanças. Timing compreensível, embora eu entenda que quem se deixou associar à imagem de CR, um lutador habituado a enfrentar adversidades, deveria saber honrar tal epíteto, ficando como ministro das Finanças, honrando a defesa do seu Orçamento Suplementar como qualquer ministro que se preze e fazendo frente a estes momentos de extrema dificuldade que se perspetivam. Sair neste momento fica na mesma História que escreveu ao apresentar um excedente orçamental. 

No entanto, há uma verdade indiscutível: nunca teve tarefa fácil! Escudado no seu Leão, cortava a direito nos pedidos financeiros dos outros ministérios, certamente granjeando animosidades e reforçando o seu isolamento interpares. Perspetivando desde 2015 num crescimento do PIB pela ótica do consumo, inclusive incentivando a devolução de rendimentos, teve a estrelinha de beneficiar da recuperação económica iniciada no tempo de Passos Coelho em 2014.

Se Centeno ficou com os louros desta recuperação e ninguém lhos retira porque a vida é mesmo assim e iludir factos é sinal de pouca inteligência, também é bom recuperar outros factos que muito o ajudaram. A começar pelo inconformismo dos empresários nacionais que investiram para sobreviverem, elevando as exportações nacionais a quase 45% do PIB, enquanto Centeno elevava a carga fiscal até uns impensáveis (quase) 35% do PIB em 2018 e 2019. 

A dívida pública em anos de crescimento económico só desceu pelo crescimento do PIB porque em termos nominais aumentou e dos juros tratou o BCE. O investimento público face ao PIB diminuiu e setores como o da saúde, educação e transportes bem sofreram. Fossem Bloco e PCP opositores como foram com Passos Coelho e seria tal o chinfrim que algo teria de ser diferente. As cativações de João Leão foram mesmo leoninas para atingir os fins dos equilíbrios orçamentais. 

A vida continua e Centeno anunciou a sua candidatura ao Banco de Portugal a tempo e horas, sentindo-se com capacidade para tal lugar de excelência. Veremos se o consegue. Toda a oposição (exceto PCP) está mesmo contra e o Parlamento até aprovou um período de nojo de 5 anos que não vai a tempo de o evitar. Como aquilo que parece é, se AC o nomear mesmo para o Banco de Portugal contra a opinião da maioria do Parlamento, Centeno fica a dever-lhe um favor, porque a alternativa é ser deputado.

 Assim, os tempos que se avizinham para Centeno poderão ter mais escolhos que louros, se for para o Banco de Portugal. Se como ministro tinha méritos reconhecidos para enfrentar as tormentas dos próximos anos, esta possível nomeação como Governador, depois do concurso interno perdido para Diretor e que sempre deixa marcas, nasce sob as dificuldades acrescidas de uma relação recentemente bem difícil com AC a quem deve, contra tudo e todos, este cargo e a quem é exigida uma independência, como pressuposto de atuação.

Em suma, uma realidade que pode ter efeito ‘boomerang’ sobre Centeno e AC.

Manuel Boto
Economista