Estará a China a testar a nossa paciência?

Num país que se desse ao respeito, o Banco de Portugal já teria mostrado o cartão amarelo à Fosun, e o Governo já teria explicado ao embaixador da China que Portugal não é ‘o da Joana’

Com o controlo da EDP, da REN, da Fidelidade e do BCP, a China instalou-se no coração da economia nacional. Tudo bem? Nem tanto. O investimento estrangeiro é bem-vindo, mas… com regras!

Os três maiores investidores dão indicações contraditórias. De um lado, as estatais China Three Gorges (EDP) e State Grid (REN). Chegaram de mansinho e assim continuam. No polo oposto, a privada Fosun. Aterrou a anunciar charters carregados de dólares, comprou a Fidelidade, e depois o BCP, coroando um percurso que explica o triunfalismo: «Portugal é o melhor país na Europa para investir»  (Dinheiro Vivo, 22/06/2015); «Portugal é a nossa segunda casa” (Jornal de Negócios, 30/09/2019). 

Mas há sinais intrigantes: o líder da Fosun esteve misteriosamente desaparecido, responsáveis de topo foram investigados… mas nada aconteceu. Poderia supor-se que a empresa escapa ao controlo estatal, mas isso não existe na China. Mais provável é a Fosun estar a ser usada como agente provocador, para testar até onde vai a permissividade… das autoridades portuguesas.  

As ‘liberdades’ da Fosun em Portugal são um caso de estudo. Com o maior desplante, fez retornar à casa-mãe os mil milhões investidos na Fidelidade, num autêntico ‘negócio da China’, que lhe permite controlar 30% do mercado segurador… com ZERO de desembolso. No BCP, afastou os angolanos da Sonangol e estabeleceu um sistema de vasos comunicantes com a Fidelidade, de onde vem a ‘a voz do dono’.

Para perceber a causa das coisas, é preciso seguir o fio condutor que liga Hong Kong aos fiéis do falecido Stanley Ho e une os vértices do triângulo mágico de Lisboa: CGD, Stanley Ho e BCP.  

CGD. No início de 2014, a Fosun comprou 80% da Caixa Seguros e selou uma parceria com a CGD, que mantém 15% da holding da Fidelidade e da Multicare. 

Família Ho. Em 2011, Pansy Ho, filha do magnata, veio de Hong Kong para tomar assento na administração do BCP. Cinco anos depois, a Fosun entrou pela porta grande. Coincidência? Pouco provável, para quem conheça as subtilezas dos negócios da China e saiba que, no século IV antes de Cristo, já Sun Tzu tinha escrito a Arte da Guerra, o primeiro manual de estratégia militar.

BCP. A partir do BCP, a China e a Fosun dispõem de uma ponta de lança para a penetração na Polónia: o Millennium Bank – um verdadeiro presente caído dos céus. Só não avançaram ainda porque a Fosun preferiu alimentar a vergonhosa perseguição aos antigos administradores que vem de 2012, uma opção em que não se vislumbra outro interesse que o de perpetuar a fragmentação do poder. A desvalorização do BCP é assunto sério, mas as autoridades assobiam para o lado… com receio de incomodarem a China.

Num país que se desse ao respeito, o Banco de Portugal já teria mostrado o cartão amarelo à Fosun, e o Governo já teria explicado ao embaixador da China que Portugal não é ‘o da Joana’. Infelizmente, não é o nosso caso. Mas é o da Polónia, onde a Fosun vai aprender a respeitar os locais.