Dos Magos, que hoje vieram ao Presépio, dois eram brancos, e um preto, como diz a tradição: e seria justo que mandasse Cristo que Gaspar, e Baltasar, porque eram brancos, tornassem livres para o Oriente, e Belchior, porque era pretinho, ficasse em Belém por escravo, ainda que fosse de São José? Bem o pudera fazer Cristo, que é Senhor dos Senhores: mas quis-nos ensinar que os homens de qualquer cor todos são iguais por natureza, e mais iguais ainda por Fé, se creem, e adoram a Cristo, como os Magos. Notável coisa é que sendo os Magos Reis, e de diferentes cores, nem uma, nem outra coisa dissesse o Evangelista! Se todos eram Reis, porque não diz que o terceiro era preto? Porque todos vieram adorar a Cristo, e todos se fizeram Cristãos. E entre Cristão, e Cristão não há diferença de nobreza, nem diferença de cor».
Este texto é de um padre, mas não é meu! Chama-se padre António Vieira e encontrei-o no Facebook de um jesuíta – o padre António Júlio Trigueiros, diretor da revista Brotéria. Parece que o texto que acabei de citar foi escrito na Epifania de 1662 e, como vemos, o padre António Vieira é tudo menos racista. Não obstante, durante os protestos contra o racismo, vimos a sua estátua, que está no Largo da Trindade, em Lisboa, ser vandalizada.
Os anacronismos dão nestas coisas!
Fiz uma busca no Google sobre a palavra: anacronismo. Diz o seguinte: «Anacronismo é um erro cronológico, expressado na falta de alinhamento, consonância ou correspondência com uma época. Ocorre quando pessoas, eventos, palavras, objetos, costumes, sentimentos, pensamentos ou outras coisas que pertencem a uma determinada época são erroneamente retratados noutra época».
Na internet inflamam-se os discursos a favor e contra, racistas e antirracistas. Escrevem-se das coisas mais incríveis: estúpidos, burros, malucos. Pois é, o que estamos a assistir nos últimos tempos não tem nada a ver com estupidez nem com burrice, mas como anacronismos, que é outro tipo de burrice.
Esta mentalidade não está só nas pessoas burras e ignorantes. Está por toda a parte e em todos os estratos. Armarmo-nos em juízes da história e queremos julgar os nossos antepassados com o código do século XXI. Parece que queremos fazer justiça à história para nos vingarmos uns dos outros. A questão do racismo descambou para o julgamento do colonialismo e do tráfico de escravos, etc. Mas não é caso único.
A propósito dos duzentos anos do fim da inquisição, o Parlamento português já instituiu um dia das Vítimas da Inquisição e preparam-se as comemorações no próximo ano para se colocar um monumento em honra dessas mesmas vítimas. Claro que vai descambar em discurso anticlerical, onde a Igreja será o alvo a abater.
É curiosa esta mentalidade anacrónica. Agora imaginem que vamos fazer a purificação de todo o passado português, onde é que isto vai dar.
Alguns já falam em demolir o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém, pelo que foram testemunhas, mas principalmente pelo que simbolizam.
Agora avancemos por aí fora. Cada um que tiver razões de queixa comece a demolir o que está na praça pública e a fazer justiça à história.
Sim! Parece que há pouco tempo também se introduziram projetos na Assembleia da República para se mandarem para as ex-colónias as obras de arte que tenham proveniência desses países.
Também o Parlamento já aprovou uma lei, que está já a funcionar, que permite que todos os descendentes de judeus portugueses que foram expulsos há quinhentos anos possam obter nacionalidade portuguesa. Estão ler bem! Expulsos há quinhentos anos.
O passo seguinte já se está a ver qual é. Vamos ter de dar nacionalidade portuguesa aos descendentes dos muçulmanos que o D. Afonso Henriques expulsou para fazer a nação e dar-lhes uma indemnização.