No centro está a virtude

A resposta dos partidos à reação adversa do seu público foi refugiarem-se nas margens, como se um local de fratura fosse um terreno seguro para se erguerem alicerces para a construção de quaisquer soluções. E isto fez com que o centro se estreitasse, seja por também seguir pelas margens ou, pura e simplesmente, por deixar…

por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras

Na política portuguesa da última década, os partidos deixaram de confluir para o centro, buscando o máximo denominador comum, e passaram, antes, a colar-se às margens, insistindo num movimento de desequilíbrio que parece ser só mais um passo no caminho, ou, pelo menos, um contributo para o divórcio entre eleitores e eleitos, entre representados e representantes.

Podemos encarar este processo como um alinhamento simples com o que temos assistido na Europa de que vamos fazendo parte, seguindo o tom dado pela volátil Itália, pela França, pela dividida Espanha e mesmo pela Alemanha, onde o populismo passou de marginal a força a ter em conta. Podemos olhar para o fenómeno, também, como uma consequência direta da crise financeira e depois económica de 2009, que pôs à prova a promessa de prosperidade e de solidariedade subjacente à União Europeia, pela inação e, depois, pela reação a destempo e enviesada. Com o que aconteceu em Portugal, com as tensões sem paralelo recente na sociedade criadas pela severidade imposta pela troica, podemos dizer que o extremismo é, também, filho da austeridade e que cresceu da falta de remédios dos partidos aos problemas dos cidadãos.

A resposta dos partidos à reação adversa do seu público foi refugiarem-se nas margens, como se um local de fratura fosse um terreno seguro para se erguerem alicerces para a construção de quaisquer soluções. E isto fez com que o centro se estreitasse, seja por também seguir pelas margens ou, pura e simplesmente, por deixar de estar representado no espectro político.

A questão é que foi o centro moderado que permitiu que a sociedade portuguesa emergisse de quatro décadas de ditadura para uma democracia liberal que, rapidamente, se consolidou, sem que houvesse uma rutura do tecido social. Foi esse mesmo centro político que sempre limitou devaneios extremistas, circunscrevendo-os às margens, em alguns casos como representação, mas afastados do exercício do poder executivo. E se Portugal compara mal com parceiros no desenvolvimento económico destes já 46 anos desde a revolução, temos a registar que o caminho feito nos fez chegar aqui: a esperança média de vida ganhou 14 anos, desde 1970 até agora; a mortalidade infantil caiu de mais de 30 por mil nascimentos, nos anos 70, para menos de 3 por mil, nível melhor do que a média europeia; a formação escolar deu um salto assinalável, no ensino básico, mas também no secundário, onde mais do que decuplicou, chegando aos 80%. Mesmo o PIB perca capita, ainda que crescendo a um ritmo inferior ao dos nossos parceiros, aumentou mais de 90 vezes.

Foi o equilíbrio proporcionado pelo centro político que permitiu que, depois de mais de quatro décadas de ditadura, o percurso de aprendizagem desta democracia liberal fosse feito sem solavancos de maior, até agora, em que podemos sentir o risco para o sistema.

A moderação do centro apresenta-se como vítima de erosão, à esquerda e à direita, em favor de franjas mais populistas, que não é certo serem falanges que engrossam com a chegada de mais descontentes, se estamos em face da diminuição do universo dos participam na vida de comunidade, o centro, que, até há pouco considerado anátema, se recolhe, porque tinha falta de alternativas, e assim acabou sub-representado.

A tudo isto não são estranhos os próprios partidos do centro que, demasiadas vezes, se escondem por trás do biombo do politicamente correto, deixando o espaço público (e mediático) à mercê dos avanços dos extremos populistas, de esquerda e da direita.

Sem coragem para afirmação da normalidade do centro político, as nossas democracias estão à mercê do crescimento e afirmação dos populistas, e os moderados, que nos trouxeram até aqui, acantonados, escondidos, como se fossem eles a propor o confinamento das pessoas de uma etnia (como a direita populista faz) ou a segregação e separação de etnias (como a esquerda populista faz).

Parece até causar estranheza um político afirmar-se de centro, como se fosse doença ou cadastro ser moderado…