Contra a corrente, por um Museu das Descobertas em Lisboa

Num tempo de extremismos, intolerância e muita ignorância, a memória, a história a cultura e a identidade são os melhores antídotos. O passado não deve ser julgado aos olhos do presente, até porque não se altera o passado. O passado existe e serve para aprendermos e evoluirmos.

A história é fator de identidade e diferencia os povos. Portugal foi precursor na globalização, no encontro de culturas e no conhecimento ao serviço da humanidade. As Descobertas são a expressão de um contributo fundamental que os portugueses deram ao mundo. Surpreendentemente, Lisboa – ponto central da dinâmica dos Descobrimentos – ainda não tem um museu das Descobertas.

Os recentes episódios de vandalização de monumentos em protesto contra o racismo também chegaram a Lisboa. Por cá, a expressão da contestação escolheu o monumento a Padre António Vieira. Em síntese, como referiu o Presidente da República, tratou-se de uma ação imbecil e ignorante.

É imbecil destruir património porque se destrói um bem público e é mais imbecil porque o património é parte da nossa história e da nossa identidade, no que é positivo e no que possa não ser.

No caso concreto da vandalização da estátua de Padre António Vieira, tratou-se, além de uma imbecilidade, de uma demonstração de total ignorância em relação à personalidade. Vieira foi uma das maiores figuras do país. À época (e é esse o contexto) foi um visionário e um progressista. Foi um pensador distinto, um diplomata notável e um escritor e orador ímpar. No Brasil foi defensor dos indígenas, crítico da escravatura e por isso perseguido pelos colonos. Foi defensor dos judeus e por isso mal visto pela Corte e apontado pela Inquisição.

Padre António Vieira foi um humanista no seu tempo. E neste tempo faz falta o humanismo, a tolerância, mas também a cultura e a educação.

A vandalização do monumento foi, além do mais, um ato inútil. Tentar destruir a história não altera o presente, não muda a vida daqueles que são discriminados, antes agudiza o radicalismo que é fonte de discriminação. A luta contra o racismo ou contra a xenofobia faz-se através do humanismo, da tolerância e da solidariedade que tem como suporte o conhecimento e não a ignorância. A história serve, quando for o caso, para fazermos diferente.

O presidente da Câmara de Lisboa afirmou que a melhor resposta aos vândalos é a limpeza e por isso, imediatamente (e bem), a estátua foi limpa.

A resposta a este fenómeno não pode ser apenas a limpeza do que existe mas o aprofundamento do que fomos para podermos ser melhores. A aposta na educação, no conhecimento e na cultura faz-se também através da afirmação da nossa história, sem a pretender reescrever, embora com sentido crítico e com a ambição de fazer melhor.

Em Lisboa falta um museu das Descobertas – há muito prometido mas ainda por concretizar. Foi uma promessa do atual presidente da câmara e deveria ser uma prioridade por razões que se prendem com a importância histórica do contributo português para o mundo mas também por razões de interesse para o turismo e para a afirmação da identidade nacional tão importante no mundo globalizado em que a afirmação se faz, cada vez mais, pela distinção.

A resposta ao radicalismo e à intolerância também se faz contrariando a aqueles que pretendem apagar a história. Essa é a atitude fácil mas imbecil e ignorante que tem de ser combatida expressando a história e querendo fazer melhor. Também por isso, o museu das Descobertas deve ser uma prioridade.

Todos os países procuram afirmar o que os distingue, o que os representa e aquilo por que são reconhecidos. É insólito que Portugal não o faça.