Guerra de mercearia para as CCDR’s

Governo abriu a porta a eleições nas CCDR’s. PSD critica pressa e fala em regionalização encapotada, mas João Cravinho afirma que os ‘factos são indicativos de que não haverá regionalização’.

Guerra de mercearia para as CCDR’s

As novas regras para a escolha dos membros das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) já foram publicadas e há eleições à vista em setembro. Foi por decreto-lei – portanto, por determinação do Governo -, que determina que os presidentes das CCDR’s passarão a ser eleitos de forma indireta pelos presidentes das câmaras, deputados municipais, vereadores e presidentes de junta. A medida foi implementada para avançar com a descentralização, mas há quem tema que o processo se transforme em guerras partidárias ou da chamada «mercearia», seguindo interesses político-partidários. Certo é que, para já e até agora, não houve qualquer negociação entre o Governo e o PSD sobre esta matéria, segundo apurou o SOL. Mais, entre sociais-democratas há quem sublinhe que não se percebe a pressa do Executivo e do PS de levar a votos já no mês de setembro os cinco presidentes das CCDR’s. Na prática, o processo poderia ser arrastado para depois das eleições autárquicas de 2021, fazendo-se as eleições para as CCDR’s apenas após esse ato eleitoral.

O processo tem estado envolto em polémica, sobretudo, pelo debate da regionalização. Há quem considere que esta solução, agora em vigor, represente uma forma de regionalização encapotada. Contudo, o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tentou desmistificar esta ideia. Dois dias depois de a medida ter sido aprovada em Conselho de Ministros, Marcelo recusou que a aprovação da eleição indireta (pelos autarcas) dos presidentes das CCDR’s fosse uma forma de o Governo dar início à regionalização. «É um passozinho no sentido de aproximar os autarcas das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento», garantiu, sublinhando que  «isso é uma coisa, regionalizar é outra coisa» (Belém promulgou o diploma no passado dia 12).

O Presidente da República chegou mesmo a lembrar que já em novembro do ano passado, no Congresso da Associação Nacional de Municípios, tinha dito que esta medida «não tinha problema nenhum». Marcelo acrescentou também que o Executivo continuará a poder demitir os presidentes das CCDR’s.

O antigo ministro socialista João Cravinho, responsável pela elaboração do Relatório da Comissão Independente para a Descentralização, parece não ter dúvidas acerca das intenções do Executivo. Realçando não conhecer o decreto-lei onde estão previstas estas alterações, publicado em Diário da República esta semana, João Cravinho relembra que «o Presidente da República já veio esclarecer publicamente que não se trata de maneira nenhuma de uma questão de regionalização». «É uma questão de reforma aos modelos desconcentrados da Administração Central» e sublinha que o Executivo ficará com a «tutela soberana sobre as CCDR’s».

João Cravinho considera ainda que, nas condições atuais, provocadas pela pandemia e que o socialista considera que serão «prolongadas e muito duras», a regionalização não está para breve. «Atenho-me aos factos e os factos, neste momento, são indicativos de que não haverá regionalização pela simples razão de que o programa  do Governo praticamente exclui», afirma.

Entre os sociais-democratas e socialistas que defendem a regionalização (ouvidos pelo SOL), esta é uma forma de se poder arrancar com o processo de regionalização. Porém, a escolha dos candidatos não se antecipa tarefa fácil. Recordando que o cargo «tem uma óbvia natureza política», o presidente da Câmara de Braga, o social-democrata Ricardo Rio, afirmou ao Correio do Minho que o próximo líder da CCDR-Norte não terá que ser necessariamente alguém oriundo da política. «O que tem de ser é alguém com capacidade de agregar os agentes da região, com uma visão integrada para o norte e com capacidade de interlocução», defendeu, acrescentando que o «pior» que poderia acontecer é que o futuro presidente da CCDR do Norte seja considerado um representante de facção. «Seja política, académica, ou qualquer outra», explicou ao jornal. O autarca de Braga considera que esta é uma «boa solução», sublinhando, porém, que um processo «mais alargado, por voto popular, num processo efectivo de regionalização» seria a solução ideal.

A norte, a CCDR vai do Porto a Trás-os-Montes e as soluções em cima da mesa poderão não ser pacíficas. Para já, entre os dois maiores partidos, nas estruturas locais, aguardam-se eleições, quer para algumas federações do PS, quer para algumas distritais do PSD, que vão a votos em julho. Este dado poderá ser decisivo para o arranque de uma eventual concertação e/ou  negociação de candidaturas, isto porque, no fim da linha, quem vota são autarcas eleitos. Do lado do PS, há um nome que tem surgido nas últimas semanas para potencial candidato: Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real. Entre os sociais-democratas, há quem aponte, por exemplo, nomes como o do autarca de Famalicão, Paulo Cunha (candidato único à distrital de Braga). De acordo com fontes socialistas ouvidas pelo SOL, não há, contudo, dados suficientes para fechar o processo, uma vez que é preciso eleger presidentes de federação e presidentes distritais dos dois maiores partidos. Para a CCDR do Centro, Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro, parece reunir consenso entre PS e PSD (de acordo com o Jornal do Centro). A sul, designadamente no Algarve, ainda é cedo para se apontarem nomes.

Outro dos nomes falados mas para a CCDR de Lisboa e Vale do Tejpo é o do socialista António Gameiro, de Santarém. 

A escolha de candidaturas ainda está numa fase muito embrionária. Para além disso, todo o processo de candidaturas às CCDR’s pode vir a estar condicionado caso o PCP avance com um pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei do Governo. Ao SOL, fonte do grupo parlamentar afirmou: «Ainda estamos a analisar o Decreto lei – Neste momento ainda não conseguimos dizer o que faremos».

O que diz o decreto-lei?

O decreto-lei foi publicado no dia 17 e, segundo as alterações que estão previstas,  os presidentes das CCDR’s passam, a partir de setembro, a ser eleitos de forma indireta por «um colégio eleitoral composto pelos presidentes e vereadores das câmaras municipais e pelos presidentes e membros das assembleias municipais».

Tal como Marcelo real sublinhou dois dias depois da aprovação em Conselho de Ministros, os mandatos, que têm a duração de quatro anos, podem cessar «mediante resolução do Conselho de Ministros». A direção destas entidades passa, então, segundo o documento, a ser da responsabilidade de um presidente eleito, coadjuvado por dois vice-presidentes. O documento aprovado a 4 de junho prevê que «as candidaturas para presidente são propostas por, pelo menos, 10% dos membros do colégio eleitoral» e os mandatos estão sujeitos a um limite de três mandatos consecutivos, ou seja, a liderança de uma CCDR só se poderá prolongar consecutivamente durante 12 anos. No caso de o lugar ficar vago, será o responsável do executivo pela Coesão Territorial, atualmente Ana Abrunhosa, que o substitui, de modo a garantir «a continuidade da ação da respetiva CCDR até a convocação da nova eleição e designação de novo titular».