‘É tão fácil ser feliz’

Este vírus deixou-nos órfãos de afeto e os mais pequenos nem sempre entendem a razão pela qual beijos e abraços passaram a ser proibidos.

O mundo está doente, a sociedade cheira a podre e os que por aqui andamos estamos meio (ou totalmente) perdidos. Chocam-me os atentados terroristas, os atos homofóbicos, xenófobos e racistas, o vandalismo e a destruição do património. A estupidez humana não tem limites. 

Mas acima de tudo, choca-me o que se faz contra o ser mais vulnerável: a criança. E refiro-me ao apedrejamento do maior hospital pediátrico da Europa que cura crianças de todo o mundo, aos que obrigam as crianças a trabalhar em vez de as enviarem à escola, aos abusos sexuais praticados, muitas vezes, no seio da própria família, aos pais que abandonam os filhos no bosque, no centro comercial ou no parque de estacionamento para que eles aprendam… Não seremos nós, pais e educadores, os que devemos aprender a exigir menos e a dar mais? Este vírus deixou-nos órfãos de afeto e os mais pequenos nem sempre entendem a razão pela qual beijos e abraços passaram a ser proibidos.
Sou totalmente contra os quadros de honra e as avaliações meramente quantitativas, independentemente da escala utilizada. Deveríamos valorizar mais a inteligência emocional, a criatividade e a sensibilidade de cada criança, privilegiando o ‘être’ e não o ‘savoir-faire’. Mas ainda não estamos preparados. Que lástima! Para que isso acontecesse, teríamos de morrer e voltar a nascer livres de tabus e preconceitos ou então começar pelo fim, como diz Woody Allen. 

Estou cada vez mais desiludida com este ensino excessivamente institucionalizado e formatado onde não há espaço para a diferença. Se as escolas são desenhadas por arquitetos e engenheiros então os programas deveriam ser pensados por pedagogos, educadores e professores que amam a sua profissão, mas infelizmente não é assim. A realidade é outra em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália…

Felizmente, há exceções que alimentam a esperança. Conheci uma pequena escola na Irlanda onde na cantina se come quase tudo o que crianças e adultos cultivam no jardim e onde os alunos decidem cada dia o que estudar. Por incrível que pareça, a taxa de insucesso escolar é quase inexistente. O sistema ’Amara Berri’, criado no País Basco e a Escola da Ponte são outros bons exemplos. Há modelos que remam contra a maré. Bem hajam!

Mas (quase) tudo mudou de um dia para o outro, literalmente. De repente, crianças de todo o mundo  foram obrigadas a ficar em casa, acentuando ainda mais as diferenças entre os que têm muito, os que têm pouco e os que não têm nada. As aprendizagens ficam em suspenso porque os pais não ensinam. E não lhe podemos exigir que o façam, pois não? Ao mesmo tempo, os professores esforçam-se por transmitir os conhecimentos à distância, mas nem as novas tecnologias salvam esta missão quase impossível. 

Sem alunos de que vale ensinar? Sem plateia para quem toca a orquestra? Sem palco para quem declamam os atores? Uma vez mais, os adultos vitimizam-se face à sua nova condição de vida, esquecendo-se dos mais prejudicados: as crianças. Perdemos tanto tempo e energia com o supérfluo e esquecemo-nos do essencial. Como diz a minha filha, «é tão fácil ser feliz!».