APAV questiona estatuto para crianças vítimas de violência doméstica e autora da petição esclarece questão

“Devo dizer que considero estranha esta posição porque o autor das declarações, manifestou pessoalmente toda a simpatia pela iniciativa”, afirmou ao SOL Francisca de Magalhães Barros, que lançou a petição que conta já com mais de 26 mil assinaturas.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) defende que uma criança deve ser considerada vítima de violência doméstica quando é exposta ao crime e não apenas quando é o destinatário principal da violência exercida, por outro lado não considera que a criação de um estatuto autónomo seja a solução.

"Para nós sempre foi essencial que a criança seja considerada uma vítima de violência doméstica. Não só, como é óbvio, quando é vítima e destinatário primeiro dessa violência, mas também quando é exposta a essa violência. A nossa questão prende-se com haver uma falta de visão integrada do ponto de vista legislativo dos vários tipos de vítimas, dos vários tipos de direitos e de haver muitas vezes apenas a legislação do momento, do impulso, e que isso, em última análise, acaba por tornar menos operacional a lei", disse o presidente da APAV, João Lázaro, em entrevista à agência Lusa a propósito dos 30 anos da associação, que se assinalam esta quinta-feira.

Recorde-se que a Assembleia da República voltará a discutir o tema do estatuto de vítima autónoma de violência doméstica para as crianças expostas ao crime, na sequência de uma petição pública, que atualmente reúne mais de 26 mil assinaturas.

Esta posição do presidente da APAV não deixou de surpreender a autora da petição, a escritora e pintora Francisca de Magalhães Barros, até porque João Lázaro terá manifestado a sua “simpatia” pela iniciativa, que passa exatamente pela aprovação do Estatuto de Vítima a crianças inseridas no contexto de violência doméstica.

“Sabemos como os juristas têm diferentes opiniões. O essencial é que a criança que assista à violência doméstica seja abrangida no estatuto de vítima, pois atualmente a nossa lei só inclui os órfãos”, esclareceu Francisca de Magalhães Barros em declarações ao SOL.

“Mas devo dizer que considero estranha esta posição porque o autor das declarações, manifestou pessoalmente toda a simpatia pela iniciativa”, adiantou a autora da petição, que fez questão de sublinhar que tal posição do presidente da APAV em nada a faz, ou aos restantes subscritores, “mudar de entendimento quanto à questão”.

A petição é também subscrita pela presidente honorária do Instituto de Apoio à Criança, Manuela Eanes, e a atual presidente, Dulce Rocha, pelo antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira, o advogado Garcia Pereira, mas também por associações como a Associação Dignidade; Associação de familiares e amigos/as de Vítimas de femicídio – ACF, Associação Das Mulheres Contra A Violência, Mulheres De Braga, Associação Abraço ou a UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta.

Mas para João Lázaro a necessidade da criação de um estatuto autónomo, como defendem os subscritores, não é assim tão evidente.

"Para nós é óbvio que a criança exposta deve ser protegida pela lei. Deve ser, de um ponto de vista da lei que proteja as vítimas de crime e não de começarmos a colecionar estatutos ou a fazermos anexos de estatutos ou 'puxadinhos' de estatutos", disse o responsável, que entende que é preciso "pensar nas vítimas de crime face às suas necessidades conforme o tipo de crime do ponto de vista mais integrado, e até mais holístico, do sistema de justiça".

João Lázaro defende que mais do que novas leis é necessária "uma clarificação" das que existem, e considera que estão consagradas na legislação "soluções que estão muito longe de serem praticáveis", com "muitos buracos" e omissões de direitos, o que faz parecer que "ninguém se parece ter preocupado muito com a sua operacionalização".