Lisboa é o foco mas há mais alertas no país

Medidas apertam em Lisboa para travar contágio, mas no resto do país têm tocado campainhas. Ovar registou 10 novos casos nos últimos quatro dias, quando em todo o mês de maio tinham sido 24.   

Lisboa é o foco mas há mais alertas no país

Lisboa faz marcha atrás no desconfinamento para travar o vírus mas as campainhas soaram nas últimas semanas noutros pontos do país, com o aumento de surtos e alguns casos importados da grande Lisboa. O Governo decidiu esta semana apertar as regras na Área Metropolitana de Lisboa, e em particular nas 19 freguesias com mais casos ativos. Segundo o SOL apurou, o concelho de Sintra, que de resto registou o maior número de novos casos desde o início do desconfinamento, é o que tem neste momento mais casos ativos, mas o dever de recolhimento domiciliário regressa não só nas seis freguesias urbanas de Sintra, de Queluz-Belas a Rio de Mouro, mas também na totalidade dos concelhos de Odivelas e Amadora, nas freguesias de Sacavém e Camarate, em Loures, e na freguesia de Santa Clara, na capital. 

A partir de quarta-feira, o país passa a ter três velocidades e multas até 500 euros para quem passar os vermelhos impostos pelo Executivo. O estado de calamidade mantém-se nas 19 freguesias mais sensíveis, a Área Metropolitana de Lisboa passa ao nível de contingência e o resto do país passa ao estado de alerta, que o primeiro-ministro anunciou que vai manter-se até ao final da pandemia, e que ninguém sabe apontar quando chegará. Para já, as novas medidas, que incluem proibição de consumo de álcool na via pública em todo o país para evitar botellóns, e lojas e cafés/esplanadas fechados na grande Lisboa a partir das 20h, vão manter-se nos próximos 15 dias.

Segunda onda? Não se sabe 

Depois de, na reunião técnica desta semana, no Infarmed ter sido admitida a hipótese de se estar a viver uma segunda onda em Lisboa, ideia transmitida à saída pelos partidos, que de resto, a par do Presidente da República, se pronunciam sempre no final do encontro que reúne altas figuras do Estado e representantes setoriais e decorre à porta fechada, a teoria foi entretanto clarificada pelos investigadores do Instituto Ricardo Jorge, que explicaram à Lusa que «a tendência e a magnitude dos valores da curva epidémica não nos permitem excluir — ou concluir inequivocamente – estar perante uma segunda fase de crescimento». Não havendo certezas, a ideia não é consensual entre os investigadores e Miguel Carmo Gomes, que se mostrou mais preocupado com eventos de super-disseminação como o aconteceu na festa de Odiáxere, assumiu publicamente discordar, apontando mais para uma maré mais cheia numa primeira onda que não foi igual em todo o país. Pode também pensar-se na metáfora do vírus como um incêndio, de um reacendimento que não foi atacado no início. Certo é que a tendência de crescimento mais acelerado de casos em Lisboa que se registou em maio abrandou nas últimas semanas e que os rastreios feitos no final daquele mês, quando se detetaram surtos na construção civil e trabalhadores temporários, não explicam tudo. Se na reunião desta semana uma das conclusões apresentadas ao Governo foi a de que os testes feitos na região não justificam o aumento de casos detetados, os dados que foram apresentados publicamente ao longo das últimas semanas já permitiam essa conclusão. A 4 de junho, o primeiro-ministro afirmou numa entrevista à TVI que tinham sido feitos 17 mil testes no âmbito dos rastreios, que tinham detetado 4% de casos positivos, mas nos dias seguintes a ministra da Saúde viria a indicar que foram colhidas 14 mil colheitas. A 16 de junho, concluía-se que tinha havido 731 resultados positivos e só naquela altura estavam incluídos nos boletins 93% destes testes. Desde o início do desconfinamento, a 4 de maio, a região de Lisboa e Vale do Tejo detetou 11 900 novos casos de covid-19, um crescimento que desde o final de abril sobressaía em relação às restantes regiões do país, chegando a ter crescimentos percentuais diários de 4%. Nas últimas semanas o crescimento abrandou para um aumento na casa de 1% ao dia. 

RT é menor em Lisboa, mas aumentou no resto do país

O Governo anunciou o reforço das equipas de saúde pública e tem aumentado o número de contactos de doentes em vigilância, que esta semana voltaram a atingir um novo recorde, mas ontem a ministra da Saúde disse que continua a haver dificuldade em quebrar cadeias de transmissão. Ainda assim, o Governo e o Presidente da República refutaram a ideia de uma situação descontrolada, para a qual têm alertado alguns médicos. Ao i, o diretor do serviço de infecciologia do Curry Cabral, Fernando Maltez, indicou que no seu serviço pelo menos 50% dos doentes não têm indicação epidemiológica conhecida, portanto não se sabe onde contraíram a infeção, alertando por isso para o risco muito elevado de contágio que se vive neste momento na grande Lisboa. «As pessoas têm de ficar conscientes de que a situação não está resolvida e pode piorar», pediu Fernando Maltez.

Nas últimas semanas, o Instituto Ricardo Jorge passou a publicar relatórios com a evolução do índice de contágio do país, uma análise que até aqui só era apresentada ao Governo. No relatório mais recente, disponibilizado ontem, o cálculo do R(t) – o indicador que calcula a média de novos casos a partir de cada infetado e dá uma indicação da velocidade da propagação da doença – mantém o que já vinha acontecendo desde a semana passada: a epidemia parece estar com alguma desaceleração em Lisboa, mas aumentou no resto do país, onde novos surtos fizeram aumentar o contágio. O RT é agora 1,11 na região Norte, 1,2 na região Centro, 1,03 na região LVT, 1,29 na região do Alentejo e 1,2 na região do Algarve. Os mesmos relatórios do INSA dão uma perspetiva sobre as últimas semanas e mostram que a transmissão em Lisboa e Vale do Tejo começou a aumentar a meados de abril, sendo que a partir do dia 29 o RT em Lisboa manteve-se sempre acima de 1 até dia 6 de junho, tendo chegado a ser de 1,14. 

Combate à pandemia é trabalho de paciência

Lisboa continua a concentrar a maioria dos novos casos e na última semana, de sexta passada a ontem, o número foi sensivelmente idêntico ao da semana anterior (1851/1848), sendo que só os próximos dias permitirão perceber a tendência. No Norte houve 205 casos, menos do que na semana anterior, mas acima do que aconteceu em maio. No Alentejo verificou-se o maior aumento: 145 novos casos reportados nos últimos sete dias contra 27 na semana anterior, a maioria ligados ao surto em Reguengos de Monsaraz. As estimativas do INSA de casos que ainda não foram detetados ou reportados sugerem que o patamar de novos casos deverá manter-se ou aumentar ligeiramente nos próximos dias, mas com o contributo não só de Lisboa mas das restantes regiões.

Se os alarmes soaram a Sul com o surto em Lagos, mais de 100 casos ligados a uma festa num sábado à noite, ou com novos surtos em lares e hospitais, há outros indicadores de que o padrão de acalmia no resto do país já não é igual ao que se viveu em maio. E com as férias, deslocações e entrada de turistas, o SOL sabe que tem aumentado a apreensão nos hospitais e autoridades de saúde, ainda que a pressão hospitalar seja inferior à que viveu em abril, à exceção dos hospitais da grande Lisboa. Ovar, que durante dois meses foi alvo de uma cerca sanitária, registou nos últimos quatro dias 10 novos casos, quando em todo o mês de maio tinham sido diagnosticados 24. Ao SOL, o presidente da Câmara, Salvador Malheiro, explicou que o aparecimento de novos casos, depois de vários dias com zero infeções no início do mês, fez soar os alarmes e levou a reforçar os rastreios para quebrar de imediato cadeias de transmissão. São situações variadas, que incluem dois casos importados de Lisboa, no âmbito de deslocações em trabalho. O SOL sabe que também nos hospitais do Norte têm sido agora detetados alguns casos ligados a Lisboa, como quando no início da epidemia a deslocação foi de Norte para Sul, mas também ao estrangeiro. Ao mesmo tempo, no Norte continua a existir transmissão comunitária, continuando assim a ser detetados casos de pessoas que contraem a infeção sem saber que estiveram com alguém infetado. O SOL sabe que esta semana foram diagnosticados dois casos no Hospital de São João em que não havia à partida link epidemiológico, isto além de um caso ligado a Lisboa e outro a Inglaterra. O SOL tentou também perceber junto do Ministério da Saúde se existe uma perceção de quantos casos ligados a Lisboa foram detetados nas últimas semanas, mas não teve resposta. Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, admitiu ao SOL que o aumento de casos noutros pontos do país poderá estar ligado às deslocações na semana dos feriados. Se na intervenção no final do Conselho de Ministros desta semana o primeiro-ministro salientou que os indicadores nacionais se mantêm estáveis, lembrando que era sabido que o risco aumentaria com o desconfinamento e considerando que a situação está controlada e dentro do expectável, Ricardo Mexia salienta que o aumento pode ser lento, mas o patamar de novos casos é elevado, daí o maior risco, considerando insuficiente o reforço feito até ao momento nas equipas de saúde pública.

Esta sexta-feira, a ministra da Saúde sublinhou que, apesar dos casos nas outras regiões, Lisboa se mantém o principal foco. E recordou a ideia reforçada também na última semana pelo primeiro-ministro: «A covid-19 só desaparecerá das nossas vidas quando surgir uma vacina ou tratamento eficaz, logo o facto de Portugal ter tido uma situação epidemiológica melhor, mais favorável, menos dura do que outros países e de, agora, enfrentar números consistentes em algumas freguesias é um motivo para reforçar o nosso esforço articulado ao nível da saúde pública, solidariedade social, emprego, economia, habitação, transportes e trabalho com autarquias e sociedade civil», disse Marta Temido, sublinhando que o combate à pandemia será um trabalho de paciência.

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