“A Luz de Judá”

Como retratar a história de uma determinada comunidade religiosa e, ao mesmo tempo, compor um excelente trabalho cinematográfico? O argumento é do Centro de Investigação Histórica da Comunidade Judaica do Porto (CIHCJP) e o filme é do realizador Luís Ismael.

por Artur Villares
Doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto

O filme destaca alguns episódios que contextualizam as origens históricas da presença judaica na cidade do Porto, começando com o momento do decreto de expulsão dos judeus por D. Manuel I. Uma comunidade dinâmica e integrada, numa cidade e país até então vivendo em convivência inter-religiosa. Partilhavam as nossas origens em termos de património genético, cultura, língua, onomástica hebraica e ibérica e fortes laços de pertença a um Portugal comum.

O segundo momento lembra o ano de 1618, já com o Santo Ofício encarregado de identificar e punir os cristãos-novos. Tal ano e tal reforço persecutório levou a nova saída forçada de cristãos-novos, que foram procurar, na sua maioria, a liberdade religiosa dos Países Baixos.

Mais alguns séculos adiante, o filme concentra-se no ressurgimento da Comunidade Judaica do Porto, por acção de judeus da Europa Central e de Leste, aos quais se juntou um Capitão do Exército português – Barros Basto – convertido ao judaísmo em Marrocos. O ano é 1925, data do primeiro casamento no Porto, por rito sefardita, em 400 anos. E aí o filme centra-se nos esforços da comunidade sefardita londrina, com o Capitão, para tentarem atrair para o judaísmo oficial os marranos que viviam nas Beiras e em Trás-os-Montes. Tais esforços não resultaram, mas uma monumental sinagoga foi erguida, com o nome e o apoio financeiro da família sefardita Kadoorie, de Hong Kong, em memória da também judia portuguesa Laura Mocatta. Essa mesma sinagoga acabou por acolher centenas de refugiados que fugiam do Holocausto e depois permaneceu, mais ou menos decadente, por décadas.

Como crónica muito desconhecida de uma comunidade religiosa, com um traço naturalmente apologético, o filme conclui com a actualidade dinâmica e em crescimento constante desta presença judaica no Porto, reforçada nos últimos anos pela feliz legislação de 2013 e 2015, que por obra e graça de políticos séniores, com ampla visão sobre o todo, permitiu, ao fim de vários séculos, o regresso a casa de inúmeros Judeus Sefarditas. E ainda poucos anos passaram.

O filme teve apresentação pública no passado 2 de junho, no Paço Episcopal do Porto, no contexto de um projeto conjunto entretanto protocolado entre a Comunidade Judaica do Porto e a Diocese da mesma cidade, que engloba a promoção de visitas turísticas ao Paço Episcopal e ao Museu Judaico do Porto, e a realização de quatro filmes históricos. O objectivo último é relançar uma boa relação entre ambas as comunidades, ultrapassando séculos de incompreensões e intolerância, como no final do filme é referido, com uma referência ao Papa Francisco.

Mas não estamos apenas na presença de uma mera crónica histórica realizada pelo CIHCJP, que usou judeus da comunidade portuense nas cenas com rituais judaicos e uso dos idiomas Hebraico e Yiddish. Estamos também na presença de um belo filme de Luís Ismael. E permito-me justificar a boa impressão deste filme histórico. Em primeiro lugar uma realização segura, com uma noção clara de tempo cinematográfico. Uma cuidada reconstituição histórica das épocas abordadas, a nível dos cenários (locais reais), guarda-roupa, e um uso inteligente da fotografia (Francisco Vidinha, aip), criando o ambiente adequado e diferenciado entre as várias épocas históricas. Acrescente-se a música de Pedro Marques e o genérico final acompanhado com a “Memória Sefardita”, de António Saiote.

O filme, legendado em português, "está disponível em Video On Demand na plataforma Vimeo: https://vimeo.com/ondemand/". Cada visualização em VOD significa um donativo precioso para o combate à forme. Todas as receitas desta longa-metragem reverterão, na totalidade, para o Banco Alimentar contra a Fome, o Centro Social da Sé, o Centro Social e Paroquial de Nª Senhora da Conceição e a Benéfica Associação Mutualista.

"A Luz de Judá" (The Light of Judah): Uma feliz conjugação de arte e vida presente, passada e futura!