Os números: a sua frieza pode ser subjetiva!

A Saúde é sempre terreno fértil para discussões políticas, mas nunca podemos esquecer os dados da OMS que referem um desperdício de 20 a 40% na Saúde. Isto, sim, é grave e tem de ser denunciado!

Isto dos números é algo que pode ser bem tramado ou abençoado, consoante a perspetiva. Quando são a nosso favor, olhamos para eles com segurança, com autoridade e nunca admitimos questionamentos sobre os mesmos, sobretudo análises que prejudiquem a sua proclamada objetividade. Se forem contra nós, a perspetiva tem de considerar outras realidades, essas sim positivas e a leitura negativa não é tolerada.

O Governo nestas coisas é mestre, como se viu com Centeno e o hábil manuseamento dos seus feitos, esquecendo investimentos e cativações. A sua poderosa central de comunicação, com assessorias pessoais, inclusive, garante a mensagem consistente, uma linguagem única desde qualquer ministro até ao seu assessor mais recatado. Ultimamente, até julgo que a mensagem sobe mesmo até Marcelo em matérias consideradas sensíveis para garantir a unicidade de pensamento.

Por exemplo, Augusto Santos Silva soltou intempestivamente umas bravatas sobre retaliação a países que não abrem a fronteira a portugueses. Declaração hostil, rapidamente ‘escondida’ porque apenas veio aumentar o ruído causado por uma leitura perversa de países como a Áustria ou Dinamarca, só por causa da covid atingir em Portugal, nas últimas semanas, valores acima de 20 contágios por 100 mil habitantes. Então, relembraram logo os comunicadores, ninguém quer saber dos outros indicadores bastante positivos como testes realizados, etc.?

Outro exemplo, o novel ministro das Finanças, pessoa de cariz técnico e não político, logo teve de fazer uma incursão pela política na área da Saúde, ao proclamar que o Governo de Passos Coelho reduziu em cerca de 1000 milhões a despesa nessa área. Era Paulo Macedo o ministro na altura, o mesmo que fez o melhor trabalho de que há memória na Direção-Geral dos Impostos. Mas nem isto o tolheu, com a ferroada dada no Governo anterior.
Bastava consultar o livro Politicas da Saúde 2011/15. Daria trabalho ler as mais de 300 páginas, mas comprova que nem toda a redução da despesa pública é má. Permanece ignorado, estranhamente até pelo PSD que o podia aproveitar para fazer oposição e comparar com as políticas atuais. Haveria que relembrar (e Leão deve saber) que houve diversas medidas que contribuíram fortemente para a redução da despesa pública como o combate às fraudes, a aposta nos genéricos e a redução significativa dos preços dos medicamentos (com reflexos positivos para os utentes e com sacrifício das margens das farmácias e farmacêuticas). 

Mas também houve boa despesa, como o forte investimento em hospitais (Lamego, Beatriz Ângelo, Guarda, Abrantes) e o reforço das unidades de saúde familiar bem como nos tratamentos oncológicos. Podia ter sido feito mais qualquer coisa? Claro que sim. Uma área que carece de reforço seria a dos profissionais de Saúde em que escasseia a formação de médicos que tanta falta fazem.

Em suma, a Saúde é sempre terreno fértil para discussões políticas, mas nunca podemos esquecer os dados da OMS que referem um desperdício de 20 a 40% na Saúde. Isto, sim, é grave e tem de ser denunciado!

Podemos ir até à TAP, infelizmente presa fácil da pandemia como todas as companhias de aviação. O número dos despedimentos, a nível internacional, no setor da aviação, tolhe os afoitos. A recuperação é miragem perante a escassez de reservas, com a economia em teletrabalho e o turismo internacional a penar. O seu CEO, Antonoaldo Neves, solicitando simultaneamente o apoio urgente do Estado, referiu publicamente que o custo do lugar por km nas low cost é incomparavelmente mais baixo que na TAP. Sério? Então expliquem lá, perante estes números tramados, a viabilidade económica da TAP, porque bonitas folhas de cálculo todos sabemos fazer. 

P.S. 1 – alguém me explica porque a app ‘Stay Away Covid’ não sai dos gabinetes ministeriais? É para combater a realidade dos números tramados da proliferação de contágios ou só fazer de conta, confinando e desconfinando, consoante os números semanais?

P.S. 2 – A pandemia afetou profundamente as famílias. Cerca de 19% delas têm membros que perderam empregos e 53,9% das mesmas tiveram cortes de rendimentos. Com esta realidade fria dos números que incontornavelmente não irão melhorar nos próximos tempos, não será a altura de aproveitar os fundos europeus para apoiar a reestruturação da economia nacional, reescrevendo o Plano de Michael Porter (1992) para a economia portuguesa?