Stonehenge. O círculo mágico alargou-se

Uma descoberta surpreendente perto de Stonehenge, no sul de Inglaterra, adiciona uma nova camada de complexidade ao monumento megalítico e promete fazer luz sobre os homens que o levantaram.  

V isto de cima, a partir do ar, o círculo perfeito do monumento megalítico de Stonehenge parece ao observador moderno o mostrador de um grande relógio. Um relógio cujos ponteiros andam para trás e nos fazem recuar através de um lapso de tempo que não se mede em minutos ou horas, nem sequer em dias, anos ou séculos – mas em milénios. Stonehenge é uma espécie de máquina do tempo que nos transporta para o mundo de há mais de quatro mil anos.

Esse círculo mágico, demarcado por enormes e antiquíssimas pedras, acaba de se alargar graças a uma descoberta surpreendente que dá um novo significado ao conjunto pré-histórico e que promete enriquecer o conhecimento das «vidas e crenças dos nossos antepassados neolíticos», como disse Nick Snashall, arqueóloga em Stonehenge. A responsável foi mais longe e considerou o achado «a chave para desvendar a história da paisagem mais ampla de Stonehenge».

Mas que segredos guardava ainda um dos territórios mais esquadrinhados e estudados pelos arqueólogos em todo o mundo? Sondagens feitas com tecnologia de ponta revelaram a existência de cerca de duas dezenas de enormes poços. Medindo mais de dez metros de diâmetro e com cinco metros de profundidade, encontram-se dispostos de modo a formar um anel com mais de dois quilómetros de diâmetro em torno do assentamento de Durrington Walls, um dos primeiros povoados de agricultores da Grã-Bretanha, que por sua vez se situa a três quilómetros de Stonhenenge.

Estas estruturas não são caso único na região. Na década de 1990, os trabalhos de construção do parque de estacionamento para visitantes do monumento já tinham revelado um conjunto de pequenos poços que foram datados do 9.º milénio a.C. e que poderiam servir para colocar postes ‘totémicos’ associados à caça ou à observação da Lua.

Mas o tamanho dos poços recém-descobertos, bem como a extensão do círculo que formam em torno de Durrington Walls, é algo nunca visto. E o seu contributo poderá revelar-se precioso para o melhor conhecimento da vida daqueles homens, através da análise dos sedimentos depositados no seu interior. O que é ainda mais relevante se tivermos em conta que, dado tratar-se de uma comunidade pré-histórica, anterior ao aparecimento da escrita, os testemunhos que nos deixou são raros e imprecisos.

O artigo que deu a conhecer a descoberta, publicado no Internet Archeology e assinado por Vincent Gaffney e outros 17 arqueólogos e académicos, conclui que «este grupo representa uma elaboração do complexo monumental numa escala maciça e inesperada». E continua: «Tendo identificado a escala do circuito de poços, continua a ser importante reconhecer que esse grupo tem um contexto no final do Neolítico: um período em que as estruturas rituais podem ser monumentalizadas numa escala enorme».

Calendário astronómico?

Desde sempre que o monumento de Stonehenge suscita deslumbramento e interrogações. No século XII, o clérigo Godofredo de Monmouth atribuiu a sua construção a Merlim, o mago que aconselhava o lendário Rei Artur. No século XVII, o arqueólogo John Aubrey atribuiu-a aos druidas da época celta, mas testes de datação demonstraram que o monumento era muito mais antigo do que isso – cerca de mil anos.

Começado a construir por volta de 3 mil a.C., terá tido na origem um local de sepultamento. Mas as enormes pedras dispostas em círculo mostram que evoluiu para algo diferente, ou pelo menos complementar. «Parece termos aqui um produto peculiarmente britânico, relacionado com um conjunto de crenças envolvendo o conceito de templo aberto direcionado para o céu, em vez das divindades do outro mundo debaixo da terra», escreveram Grahame Clark e Stuart Piggott na década de 1960, no livro Prehistoric Societies. Na mesma década, o astrónomo Gerald Hawkins avançou que se trataria de um calendário astronómico, estando certos pontos específicos estrategicamente posicionados de acordo com fenómenos celestes como eclipses, solstícios e equinócios. Mas permitiria o céu permanentemente cinzento e nublado das ilhas britânicas observar os ditos fenómenos, interrogaram os céticos? 

O que parece indesmentível é a ligação do complexo ao culto solar: no dia do solstício do verão (20 de junho) o bloco vertical conhecido como Heel Stone está perfeitamente alinhado com o nascer do sol para quem se encontra no centro do círculo de pedra. O que atrai ao local milhares de pessoas todos os anos para observar o fenómeno (este ano, evidentemente, foi uma exceção).

Mas houve quem avançasse ainda outra hipótese: as evidências de doenças ou fraturas nos restos mortais humanos encontrados na zona poderiam sugerir que muitos acreditariam que o local tinha poderes curativos.

Para isso poderiam contribuir as pedras azuis, trazidas de propósito de montanhas situadas a cerca de 400 quilómetros do local do monumento. Jürgen Kaube considera que tal «não se tratou de um desempenho extraordinário apenas a nível técnico e logístico». Para o autor de As Origens de Tudo, «há muitos indícios a sustentar a tese de que o local de origem desses megálitos teria sido ele próprio religioso, o que fundamentaria o enorme esforço empreendido para os carregar até Stonehenge».

Não tão bárbaros assim

Como foi possível a homens com recursos tão limitados construir um complexo de tão grande escala e tamanho requinte? Essa questão continua a confundir historiadores e arqueólogos. Alguns indícios apontam para a existência de contactos no triângulo formado pelas ilhas britânicas, o mundo mediterrânico e a Europa Central. Alguns objetos encontrados nas sepulturas, e o desenho de um punhal inciso numa das pedras de Stonehenge mostram, em particular, trocas com a civilização micénica (Grécia).

«O monumento indica autoridade unificada e, mesmo, pessoal, não só pela conceção e realização da obra arquitetónica, mas pelo prestígio e pelo poder que podiam exigir uma tamanha força laboral e tão grande capacidade técnica», escreveu Stuart Piggott em A Europa Antiga.

A recente descoberta dos enormes poços na região vem, porventura, provar que o homem de Stonehenge era ainda mais sofisticado do que se pensava. Os ‘bárbaros do Norte’ não estavam, pois, isolados do mundo civilizado. Nem eram, seguramente, assim tão bárbaros.