Lisboa ainda sem melhoria

Dois meses após o início do desconfinamento, a covid-19 não dá sinais de abrandamento em Lisboa e há subida ligeira no norte, que agora é a região com o índice de contágio mais elevado. Governo terá de decidir na próxima semana se o país se mantém a três velocidades.

por Marta F. Reis e Cristina Rita

Quando passam dois meses desde o início do desconfinamento, a 4 de maio, o balanço de ontem, divulgado ao final do dia, sugere que pelo menos esta semana não terá havido ainda um abrandamento de novos casos em Lisboa. A nível nacional, foram detetados nesta sexta-feira mais 374 novos casos, 300 dos quais em Lisboa – mas foram ainda reportados mais outros 200 novos casos em Lisboa que serão referentes a dias anteriores, fruto de não ter havido notificação por parte de um dos laboratórios durante três dias, explicou a ministra da Saúde. «A imputação ao dia exato terá de ser corrigida», disse Marta Temido, explicando que os números dos últimos dias em Lisboa, que tinham mostrado alguma diminuição, poderão ser afinal corrigidos em alta. «A situação em Lisboa tem-nos dado muita luta, mas não vamos baixar os braços», disse a ministra da Saúde no briefing que, pela primeira vez, acabou por acontecer já depois das 20h, devido ao acerto no boletim que inicialmente contava com o total de notificações.

Os peritos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge estimam, no entanto, que Lisboa, que até 6 de junho teve um RT acima de 1, já esteja agora de novo abaixo desse patamar. A única região do país onde o índice de contágio está acima de 1 (o que significa uma tendência para aumento de casos) é a região norte. A ministra confirmou que há uma ligeira subida nos casos, mas todos com ligação epidemiológica, confirmando que há 18 surtos na região, mas com ligações identificadas. No relatório disponibilizado ontem pelo INSA relativo à curva epidémica, o cálculo do chamado RT nos últimos cinco dias de análise dava 0,96 ao nível nacional, com a seguinte distribuição: 1,1 na região norte, 0,95 na região centro, 0,95 na região LVT, 0,91 na região do Alentejo e 0,91 na região do Algarve. Nos próximos dias é expectável que a epidemia se mantenha no patamar dos 300/400 casos.

De sexta-feira da semana anterior a ontem, o critério que o SOL tem usado na análise dos novos casos, houve um total de 2490 novos casos de covid-19 no país, o que compara com 2402 na semana anterior – isto já contando com os 200 casos adicionais que ontem ainda não entraram no balanço, mas que a tutela indicou deverão ser imputados a outros dias. A diferença não é grande, mas, se na semana passada parecia haver uma estabilização de novos casos em Lisboa, que praticamente mantiveram os números da semana anterior, esta semana houve de novo uma subida: foram detetados na região de Lisboa 2050 novos casos, o que compara com cerca de 1850 nas últimas duas semanas. Na região norte, foram reportados 223 novos casos, ligeiramente acima da semana anterior, mas um aumento em relação ao início do desconfinamento em que o norte, mais fustigado nos primeiros meses da pandemia, viveu períodos de maior acalmia. No centro, Alentejo e Algarve os novos casos diminuíram em relação à semana anterior. A região centro registou 81 novos casos, o Alentejo 58 e o Algarve 75. Na análise por concelhos, Sintra manteve-se como o concelho do país onde foram reportados mais novos casos.

Esta semana entraram em vigor novas medidas em 19 freguesias da grande Lisboa com mais casos ativos, foi reforçada a  resposta na vertente social e também o transporte rodoviário. E a sensibilização aumentou, com mais pessoas na rua de máscara mesmo sem ser em espaços fechados (pelo menos isso foi visível nas freguesias da linha de Sintra).

 

Ministra afasta suspensão de visitas em lares

A maioria dos novos casos continua a ser em pessoas mais jovens, em particular na casa dos 30/40 anos, mas o número de idosos infetados mantém-se superior ao que se verificou em maio, o que poderá ser explicado pelos novos surtos que têm sido detetados em lares. Nos últimos sete dias, houve  mais 222 infetados com mais de 80 anos. Menos do que os 270 casos registados nesta faixa etária, a que tem maior risco, na semana anterior, mas acima da centena de casos que se registou semanalmente em maio. O surto detetado num lar em Reguengos de Monsaraz, onde a covid-19 vitimou oito idosos e uma funcionária de 40 anos, foi um dos casos a fazer soar alarmes. Em Cascais foi detetado um surto num lar de Alcabideche.

No briefing da DGS, a ministra da Saúde recordou que um terço das mortes ocorreram em lares e anunciou que, além das orientações já emitidas nos últimos meses, os lares vão passar a ter visitas para um controlo apertado das regras. Marta Temido adiantou também que está a ser equacionado retomar um programa de rastreio de profissionais destas instituições, afastando no entanto o cenário em que seja necessário voltar a suspender as visitas a lares em todo o país. «O que se indicia é que o contágio aconteça através dos profissionais e não das visitas», disse.

Na próxima semana, o Governo volta a reunir-se no Infarmed para a reunião técnica em que é feito o ponto da situação da epidemia no país. Será uma semana de decisões face ao atual estado do país a três velocidades (as 19 freguesias com mais casos da grande Lisboa em contingência, área metropolitana em estado de calamidade e resto de país em estado da alerta) vigora até ao início da semana seguinte, a 14 de julho, e será preciso decidir o que fazer a seguir.

Numa semana muito marcada por análises do que correu melhor e pior em Lisboa, o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes defendeu ao SOL que é tempo de confiança: «É um apelo que eu faço, enquanto ex-ministro da Saúde, é que as pessoas se concentrem em torno de uma palavra que se chama confiança. Confiança em todos, nos autarcas, nas autoridades de saúde, confiança nos cidadãos. Isto é um processo muito difícil.  Este é um exercício difícil e nós todos temos de fazer a nossa parte. Seguramente tem havido falhas,  seguramente essas falhas têm de ser corrigidas – e toda a gente está empenhada em corrigir. Faço um apelo para que tenhamos confiança uns nos outros e nos ajudemos”.