Apesar de ter sido dos países mais afectados na Europa, só 5% dos espanhóis têm anticorpos para a covid-19

Resultados inquérito serológico realizado em Espanha foram publicados na revista médica Lancet. Mesmo nas zonas com mais casos, os chamados hot-spots, a maioria da população ainda não teve contacto com o vírus. Investigadores alertam que imunidade de grupo implica muitas mortes e uma sobrecarga para os sistemas de saúde.

Já são conhecidos os resultados do inquérito serológico realizado em Espanha para perceber que percentagem da população teve contacto com o SARS-CoV-2. Apesar de Espanha ter sido dos países europeus com mais casos na primeira vaga da epidemia, as análises feitas em 35 883 agregados familiares sugerem que apenas 5% da população espanhola esteve exposta ao vírus, não existindo diferença entre sexos e havendo uma seroprevalência menor em crianças com menos de 10 anos. Os resultados publicados esta semana na revista Lancet indicam também uma variabilidade geográfica substancial, com cerca de 10% da população de Madrid exposta à doença ao passo que nas áreas costeiras o nível de imunidade é inferior a 3%. 

O estudo feito entre 27 de abril e 11 de maio revelou ainda que em 195 participantes tinham tido testes PCR positivos para o coronavírus até duas semanas antes da análise serológica, 87,6% tinham desenvolvido anticorpos. Já em 7273 participantes com perda de olfacto (anosmia) e pelo menos três sintomas, a seroprevalência variou entre 15,3% e 19,3%. O estudo conclui ainda que um terço dos participantes com anticorpos para a covid-19 eram assintomáticos, variando entre 21,9% e 35,8%.

Na análise por profissões, constata-se que os profissionais de saúde são o grupo mais exposto, com uma taxa de seroprevalência de 10·2% (7·9–13·0), seguindo-se trabalhadores de lares e outros estabelecimentos sociais (7·7% (5·6–10·5). As diferenças apuradas para diferentes grupos socioeconómicos, dimensão de agregados familiares e comunidades foram pouco significativas.

Os investigadores concluem assim que a maioria da população espanhola não tem anticorpos para a doença, mesmo nas áreas designadas por hot-spots. A maioria dos doentes que estiveram infectados e fizeram testes PCR que confirmaram o diagnóstico com a covid-19 apresentavam anticorpos em quantidades detetáveis, mas uma proporção substancial de pessoas com sintomas compatíveis com covid-19 não foram testadas e pelo menos um terço das infeções determinadas pela serologia foram casos assintomáticos.

"Estes resultados enfatizam a necessidade de manter medidas de saúde pública para evitar uma nova onda epidémica", conclui a equipa, que assinala no artigo que, até ao momento, o ENE-COVID foi o maior estudo de seroprevalência de SARS-CoV-2 de base populacional realizado na Europa, com mais de 61 mil participantes.

A Espanha é o segundo país europeu com mais casos de covid-19 reportados desde o início da epidemia (298,869), só atrás da Rússia (694,230). Tendo em conta a população, o país surge em sétimo lugar no total de casos por milhão de habitante, estatísticas que são também influenciadas pela testagem e método de reporte e contabilização de casos que varia de país para país. Portugal, que nas últimas semanas tem estado entre os países europeus que reportam mais novas infeções, surge ainda em 14o lugar no total de casos por milhão de habitantes.

Em Portugal as colheitas para a primeira fase do inquérito serológico nacional foram concluídas na passada sexta-feira, revelou ontem o presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. O inquérito nacional vai contar com uma amostra de 2100 participantes de todas as regiões de Portugal continental e regiões autónomas. Em Portugal, a epidemia foi ao início mais concentrada na região Norte e nas últimas semanas a região de Lisboa e Vale do Tejo ultrapassou o total de casos acumulados a Norte. A apresentação dos resultados do inquérito serológico tem sido remetida para meados deste mês. Os investigadores têm apontado para um patamar de 60% a 70% de população com anticorpos para haver um efeito de imunidade de grupo que funcione como barreira à propagação do vírus, havendo ainda um longo caminho a percorrer até se chegar a esse ponto. 

"O nosso estudo apenas deteta anticorpos IgG, mas a extensão da imunidade que fornecem é ainda desconhecida neste momento. Ainda assim, a imunidade celular, que não foi avaliada, também pode ter um papel protetor contra a infeção por SARS-CoV-2", lê-se no artigo espanhol. "Apesar do elevado impacto da covid-19 em Espanha, as estimativas de prevalência permanecem baixas e são claramente insuficientes para garantir imunidade de grupo. Tal não será possível sem aceitar o efeito colateral de muitas mortes na população susceptível e a sobrecarga do sistema de saúde. Perante isto, medidas de distanciamento social e esforços para identificar e isolar novos casos e os seus contactos são um imperativo para o futuro controlo da epidemia", conclui a equipa.