Partidos dividem-se sobre utilidade de reuniões com especialistas

Direita diverge sobre a sua eficácia, enquanto a esquerda defende os encontros. Já lá vão nove edições.

Amanhã os principais atores políticos dos vários órgãos de soberania voltam a reunir com especialistas em saúde pública e epidemiologistas no Infarmed. É a décima reunião ao mais alto nível para avaliar a pandemia da covid-19. Entretanto, o  líder da oposição, Rui Rio, veio  questionar a utilidade destes encontros. “Eu devo confessar que as últimas reuniões do Infarmed começam a ter pouca utilidade”, afirmou o líder do PSD numa entrevista ao Porto Canal.

Volvidas 48 horas destas declarações de fim de semana, o CDS aproveitou ontem para descolar do PSD. “Não prescindimos dessas reuniões e quero até dizer que é com alguma estranheza que constato que há partidos que querem prescindir delas, a menos que tenham já uma sinergia e uma articulação tão estreita e tão profunda com o Governo, quase como um espécie de um bloco central, que lhes permita obter informação por outras fontes e a considere fidedigna”, atirou o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos a partir de Braga, citado pela RTP.

À direita do PSD, a Iniciativa Liberal coloca a questão a dois tempos. “As reuniões do Infarmed são uma boa ideia, mal executada”, começa por explicar ao i fonte oficial do partido, liderado por João Cotrim de Figueiredo. O também deputado tem deixado algumas críticas sobre os dados apresentados, nem sempre determinantes para a tomada de decisões. Contudo, para a Iniciativa Liberal, ao contrário do PSD, não está em causa o espírito da iniciativa em si. É uma “boa ideia, porque [as reuniões] podiam ter permitido a partilha de dados científicos e estatísticos para que a discussão política pudesse ocorrer sobre uma base de conhecimento comum”, argumenta a Iniciativa Liberal. Porém,  é “mal executada, porque a fidedignidade dos dados nunca foi suficiente, a coordenação entre as várias apresentações inexistente e a ajuda [à tomada de decisões difíceis] muito pouca”. Afinal o que falta?

Para a equipa de Cotrim de Figueiredo “estas reuniões deviam focar-se numa ou duas decisões a tomar na quinzena seguinte (em vez de analisar a quinzena que passou), mesmo quando isso não permite qualquer conclusão que ajude à tomada de decisões”. E este critério é determinante porque “as crises resolvem-se olhando para a frente e não com os olhos presos ao retrovisor”, concluiu a mesma fonte.

André Ventura, líder do Chega, responde ao i com uma outra versão, mas igualmente crítica: “São reuniões importantes, mas apenas se os técnicos se libertarem da farda de elementos do Estado, próximos do Governo e do Ministério da Saúde, para se tornarem absolutamente peritos independentes. Isso até agora não tem acontecido. Eu, aliás, já chamei à atenção disso numa das sessões”.

À esquerda reconhece-se que algumas reuniões têm tido mais utilidade do que outras, ou que é preciso que a informação pública seja acautelada pela Autoridade Nacional de Saúde, em nome do combate à desinformação.

“Há reuniões que tem tido mais utilidade do que outras, isso é claro”, declarou ontem Catarina Martins, coordenadora do BE, à margem de uma visita a uma escola em Lisboa. Ainda assim, para o Bloco, é fundamental  questionar “diretamente as autoridades de saúde e os institutos com responsabilidade sobre a saúde”. E deste ponto o partido não abdica.

Numa resposta oficial ao i, o PCP destaca que “o conhecimento científico é um elemento fundamental para a definição das políticas de prevenção e combate à epidemia, pelo que as reuniões do Infarmed têm sido um importante contributo na partilha desse conhecimento”. Mas deixa um alerta: “A informação pública deve ser garantida pela Autoridade Nacional de Saúde, combatendo desta forma elementos de desinformação”.

Por seu turno, o PEV frisa ao i que “estas reuniões são tão mais importantes quando no seu decorrer é possível a cada interveniente colocar pedidos de esclarecimento e questões pertinentes para tomadas de decisão política, pelo que consideramos adequada a sua estrutura de funcionamento”.

Já o PAN, pela voz da sua líder parlamentar, Inês Sousa Real, diz ao i que estas reuniões se realizam-se num “ambiente construtivo na medida em que políticos e especialistas num espaço mais reservado se focam nos dados e na sua análise”. Para o PAN há, contudo, um aspeto crítico: “O facto de haver pouca articulação entre esta equipa de especialistas e a restante comunidade científica, havendo muita comunicação paralela, paradoxal e até incongruente”. Ainda assim, Inês Sousa Real compreende que “por vezes seja difícil corresponder a todas as questões e dúvidas colocadas pelos participantes”. E não tem dúvidas: “Este acompanhamento é importante e deverá ser continuado até haver um maior conhecimento e capacidade de atuação face a esta situação”.

Por seu turno, a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira  respondeu ao i que as reuniões no Infarmed "mostram a preocupação do Governo em debater de forma transversal a questão sanitária e a pandemia que nos apanhou a todos, no mundo todo, de surpresa, com a presença da Presidência da República, da Assembleia da República, conselheiros, partidos, de deputados e várias entidades". Ainda assim, "na prática, revelaram-se mais reuniões informativas, o que é bom mas que não é suficiente para aquilo que poderia ser".  E a deputada dá um exemplo: "Desde o primeiro dia de participação que tenho chamado a atenção para as questões sócio-económicas e étnico-raciais da pandemia mas só agora parece haver sentido para elas, quando algo já podia ter sido feito. Hoje sabemos que as zonas mais afectadas em Lisboa correspondem a zonas com a população mais pobre e onde as minorias étnico-raciais estão mais presentes.” 

De realçar que fora da atividade partidária, também já houve reações sobre estas reuniões no Infarmed. José Gameiro, psiquiatra, disse numa entrevista ao i que “a partir do momento em que fizeram a reunião com aquele número de pessoas, 40 ou 50, não faz sentido que seja à porta fechada”.