PR sem pressa com candidatos em stand-by

Miguel Albuquerque congelou para já uma candidatura a Belém, após a visita de Marcelo à Madeira. À esquerda, somam-se divisões. João Cravinho diz ao SOL que se Ana Gomes avançasse ‘teria muitos apoiantes’.

A seis meses das eleições presidenciais só há um candidato assumido: André Ventura, presidente do Chega. E Marcelo Rebelo de Sousa sinalizou ontem que até novembro, altura em que convocará as eleições presidenciais, é Presidente da República – e não candidato. Mas o tema já mexe há meses nos partidos e no PS ficou claro esta semana que o atual presidente não terá o voto de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e o principal rosto da ala mais à esquerda dos socialistas. É mais um sinal de distanciamento face ao primeiro-ministro. Que já deu sinais claros de que os socialistas não deverão ter candidato oficial. No limite, Costa apoiará Marcelo.

A gestão destas proximidades obrigou Miguel Albuquerque (PSD), presidente do Governo Regional da Madeira, a sair a terreiro e avisar que estava a ponderar uma candidatura. Sobretudo porque é preciso defender as autonomias regionais e a Madeira, segundo o PSD regional, foi esquecida pelo Governo da República.

Marcelo foi à Madeira esta semana, e dias depois Miguel Albuquerque declarou na Assembleia Legislativa Regional: «Como foi público, [Marcelo] assumiu a responsabilidade de ser o interlocutor e conciliador prevalente junto das instâncias nacionais, daqueles que são os interesses vitais da Região Autónoma da Madeira, no atual e futuro quadro político». Mais: «Estamos à espera que não haja marcha atrás do Presidente da República porque não vamos ficar calados». Estas declarações foram interpretadas entre os sociais-democratas como uma forma de deixar a candidatura em stand-by. A realidade que levou Albuquerque a dizer que estava a equacionar a corrida presidencial foi, aparentemente, ultrapassada. Mas isso não quer dizer que o dossiê esteja arrumado. Será uma espécie de ver para crer o que fará Marcelo Rebelo de Sousa em defesa da Madeira. Se não conseguir resultados, a avaliação de uma candidatura ganha fôlego novamente. No PSD nacional, a hipótese de Albuquerque concorrer sempre foi encarada como uma forma de pressão para obter resultados a favor do arquipélago. Isto sobretudo porque a Madeira tem a sua economia assente no turismo e a covid-19 abriu uma crise bastante difícil de superar.

Isto significa que Marcelo pode contar com um apoio mobilizado dos sociais-democratas? Não necessariamente. É certo que o PSD irá dar apoio formal a Marcelo quando o próprio o anunciar. Mas a perceção entre os sociais-democratas ouvidos pelo SOL é a de que existirão muitos militantes de base que ficarão em casa na hora de votar. Pior: no limite, há quem admita vir a votar em Ventura só para demonstrar o seu protesto. Este cenário deverá ser residual, mas sinaliza que o chefe de Estado não recolhe o apoio incondicional do partido que já liderou.

No CDS, o tema presidenciais não está na agenda, mas Marcelo pode vir a contar com um apoio, ainda que muito condicionado. Entre os democratas-cristãos é voz corrente que uma alternativa ao atual Presidente da República teria de passar por figuras que congregassem votos à direita e ao centro-direito e travassem qualquer deriva com a candidatura de Ventura. Neste quadro, só um perfil como o de Paulo Portas, Passos Coelho ou, até, Durão Barroso poderia ser uma alternativa real ( e uma ameaça) a Marcelo. Mas este é um cenário que não existe. E, se se colocar, será no ano de 2026.

 

Contas baralhadas à esquerda

Esta semana, Pedro Nuno Santos deu uma entrevista à RTP e ficou expresso também um distanciamento do primeiro-ministro. O governante considerou que o PS deve ir a jogo nas presidenciais, porque deve tentar a sua sorte em todos os atos eleitorais.

«O PS tem uma visão comunitária da vida, onde a justiça social tem um papel central e a direita, toda ela, tem uma perspetiva mais individualista. Nunca apoiarei um candidato da direita», afirmou Pedro Nuno Santos, admitindo mesmo que, se não houver um candidato socialista, votará «num dos candidatos da esquerda, nomeadamente do BE ou do PCP». Ana Gomes, a ex-eurodeputada socialista que tem sido pressionada a avançar com uma candidatura, reagiu de imediato no Twitter: «Pedro Nuno Santos a dar-me, a mim e a muito mais gente, razões para acreditar no PS. Ainda há gente de esquerda, sem medo de se assumir de esquerda!». No dia seguinte, Carlos César, presidente do PS, daria outra entrevista (ao Público e à Rádio Renascença) a realçar a «elevadíssima preferência nas sondagens e no eleitorado do PS» de Marcelo Rebelo de Sousa. E César voltou a dizer que «só numa situação limite votaria em Ana Gomes, se os candidatos em presença significassem algo de desagradável que não gostasse de ver refletido na mais alta magistratura da nação». Ora, o antigo ministro das Obras Públicas, o socialista João Cravinho, faz uma análise da situação no PS, reconhecendo que, a avaliar pelas declarações públicas dos seus mais altos dirigentes, «o partido estará na ideia de que dará aos seus militantes a liberdade de escolherem a sua opção». Tal como já o fez no passado. «A lógica parece ser essa», sublinha Cravinho ao SOL.

Quanto a Ana Gomes, de quem é amigo pessoal, Cravinho começa por destacar: «Ana Gomes tem uma experiência nacional e internacional notáveis. Se for, por exemplo, a Bruxelas, não é uma figura de quem se pode dizer, apenas, que fez bem o seu lugar. É uma líder, uma fonte de inspiração». Para defender: «Uma pessoa desta projeção com certeza que teria muitos apoiantes. Chegaria para vencer as presidenciais? Essa é outra questão».

João Cravinho acredita que a candidatura de Ana Gomes «chegaria para marcar as eleições presidenciais, quer em termos de campanha, quer em tempos de resultados. O impacto seria visível», mas não chegaria para vencer a eleição propriamente dita, olhando para as sondagens. Contudo, seria suficiente para mudar um pouco a interpretação dos resultados.

Questionado pelo SOL se Ana Gomes terá o seu apoio caso queira concorrer, Cravinho respondeu: «Ainda não se pronunciou em definitivo. Não vou adiantar o carro à frente dos bois, como se costuma dizer em linguagem popular».

A ex-eurodeputada tem-se mantido em reflexão e nesta análise pode pesar, por exemplo, a candidatura do BE. O partido de Catarina Martins terá candidatura própria, tal como o PCP, e tudo indica que será novamente a eurodeputada Marisa Matias a concorrer. Se o BE não tivesse candidato próprio, as contas poderiam ser outras. O PAN e o Livre já deram sinais de ver com bons olhos a candidatura da ex-eurodeputada, mas falta saber o que fará Ana Gomes.

O PCP terá candidato anunciado em setembro e Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, reagiu à ideia de Pedro Nuno Santos vir a votar no candidato comunista.«Todos aqueles que vierem por bem são bem-vindos». E assegurou, sem revelar nomes, que «os democratas não sentirão qualquer preconceito a apoiar esta candidatura do PCP».

Entretanto, o constitucionalista Vital Moreira, que já foi eurodeputado eleito pelo PS, considerou no seu blogue Causa Nossa que «não cabe constitucionalmente ao PR envolver-se na política ou na ação governativa, nem muito menos funcionar como porta-voz governamental». Em causa está a atitude de Marcelo nas reuniões do Infarmed (suspensas esta semana) a tecer considerações como se fosse primeiro-ministro ou ministro da Saúde. «Como reza o ditado popular, ‘cada macaco no seu galho», advogou o constitucionalista.