Velho Oeste. Feias, porcas e más…

Mulheres duras num mundo regido por homens e pela violência contínua, eram, muitas delas, piores do que os canalhas que tinham como companheiros. Calamity Jane, Belle Starr, China Mary, Madame Moustache e Big Nose Kate não foram apenas personagens de livros de ‘cowboys’ e de ‘westerns’.

Martha Jane Cannary esfolava mulas com a facilidade com que qualquer um de nós esfola coelhos, salvo seja. Bêbada irreprimível, soltava palavrões como um carroceiro e cuspia para o chão o tabaco que mascava a toda a hora. À primeira vista, não havia muito que a distinguisse de um homem. A maior parte do que se sabe sobre a sua juventude é, provavelmente, mentira. Faz parte de uma autobiografia manhosa que ela própria ditou como cartaz para os espetáculos em que participou a partir de 1886 com Buffalo Bill, tido como um dos seus múltiplos amantes. Dos poucos que sobreviveram aos seus ataques de fúria, Afinal ganhou a alcunha de_Calamity Jane por algum motivo, e não foi agradável de certeza.

Martha é a mais famosa das muitas mulheres que abriram à força o caminho da sobrevivência nesse mundo macho e bruto e feio do Velho Oeste, onde não havia justiça para lá do rio de Pecos que não fosse o juiz Roy Bean e a mínima discussão provocava uma saraivada de balas que terminava com mais uma tarde de trabalho para os gatos-pingados. Se mergulharmos nesse tempo da construção da América que entrou nas nossas vidas, sobretudo através dos livros de cowboys de Tom Mix e Texas Jack e dos westerns de John Ford, Howard Hawks e Sergio Leone, deparamos com moças tão fascinantes como os seus nomes ou alcunhas. Não me digam que Madame Moustache não traz atrás de si um romance digno de Robert Vaughan e que Big Nose Kate não caberia nas páginas do grande Steinbeck…

Portanto, nas primeiras semanas do ano de 1886, Calamity Jane estava em Chicago. Era possível ver as suas fotos um cartazes gigantes que anunciavam por baixo: «Greatest of all Atractions!!!» Tinha um rifle nas mãos e uma faca entalada entre os dentes. Prometia contar a sua história inacreditável. Os papalvos faziam fila à porta de uma tenda gigantesca na qual Jane montava a cavalo e dava uns tiros para o ar enquanto o chefe de cerimónias contava como tinham sido complicados os primeiros tempos da vida desta aventureira, irmã mais velha de uma ninhada de seis, filha de um viciado no jogo, de Mercer County, Missouri, que se viu órfã de pai e mãe aos 14 anos e carregou os irmãos de comboio para Piedmont, no Wyoming, onde se dedicou a toda a espécie de tarefas para poder alimentá-los. De lavar pratos a enfermeira, de bailarina a prostituta em Fort Laramie, no rancho de Three-Mile Hog , Martha fez o que pôde. Depois os irmãos cresceram e ela lançou-se na aventura dos grandes planaltos do Oeste.

É a partir daqui que a vida de Calamity Jane contada por ela própria esbarra de frente contra a vida de_Calamity Jane contada por aqueles que com ela se cruzaram. Segundo a própria, a alcunha foi-lhe posta durante as escaramuças contra os índios em 1872-73 quando, no meio de um tiroteio assustador, se bateu furiosamente salvando o capitão Egan, chefe do posto de Goose Creek de ser escalpado sem dó nem piedade. «Ele virou-se para mim e disse – a partir de agora és Calamity Jane, a heroína das pradarias!»

Uma série de disparates de mulher maluca, acusaria o capitão Jack Crawford que a conheceu na altura. «Nunca esteve em combate. Limitava-se a ser uma figura conhecida na região. Sobretudo porque era má e dissoluta e havia gente que tinha medo dela…» Também nunca ninguém confirmou os relatos de que estivera em Big Horn River, servindo o exército sob o comando do general Crook, até pelo contrário, mas já é possível traçar-lhe os passos em 1876, em Fort Laramie, onde conheceu a grande paixão da sua vida, Wild Bill Hickok, um tipo folclórico, sempre metido em confusões, que se dedicava ao jogo, a ser pisteiro e a promover espectáculos de beira de estrada. Tornaram-se íntimos. Jane aceitara trabalho de uma das mais famosas madamas do Oeste, que é como quem diz, exploradora de prostitutas, Dora_DuFran, baptizada Amy Helen Dorothy Bolshaw, em Liverpool, Inglaterra, e que possuía um bordel em Deadwood, outro daqueles lugares míticos que marcaram a corrida ao ouro no Dakota do Sul e teve um xerife que também não passava despercebido: Wyatt Earp.

Jane Calamity e Bill Hickok formaram o casal mais famoso do Oeste americano. Parece que tiveram filhos, mas nem nisso Martha era capaz de fugir à sua tendência para a mitomania. Houve um fulano chamado Jean Hickok Burkhardt McCormick que surgiu, em 1941, a pedir às autoridades que o creditassem como filho de Jane e Bill, mas a verdade é Hickok era casado com uma Agnes Lake Tatcher, proprietária de um circo ambulante, e desaparecera entretanto com uma amante chamada Charlie Utter antes que o escandalosamente embriagado Jack McCall, que o acusara de batota ao poker, lhe desse dois tiros de colt nas costas em pleno Nuttal & Mann’s Saloon. Calamity tomou o assunto a peito e partiu à sua caça armada com um machete, mas as autoridades chegaram primeiro e condenaram-no à forca. Ou seja, de certa forma, salvaram-no…

 

De umas para as outras…

Uma mulher apaixonada pode ser uma calamidade. De facto, Jane teve dificuldade em suportar a morte de Bill. Refugiou-se na aguardente e na amizade de Dora DuFran que passara o seu prostíbulo para Black_Hills. Já não estava em grandes condições para tirar proveito do corpo, pondo-o à disposição dos homens. Aceitou o cargo de cozinheira. Morreu no dia 1 de Agosto de 1903, de pneumonia e problemas no fígado que ela transformara numa esponja. Nessa altura já chegara aos Estados Unidos, vinda de França, outra mulher inconfundível, Simone Jules, aliás Eleonore Dumont.

Ao contrário de Martha Cannery, Simone era formosa e tinha um rosto angelical. Instalou-se em São Francisco a partir de 1854 como jogadora de cartas e, num estilo delicado e reservado, rapidamente aprendeu os truques dos maiores trafulhas da zona. Decidiu que São Francisco era pequena demais para a sua criatividade e percorreu o país de lés a lés, de Fontana,_Nevada, a Tombstone, Arizona, não falhando a passagem obrigatória pelo Dakota e por Deadwood. Pela mesma altura, Dr. Haroney, um cirúrgião de Budapeste, preparava-se para fazer as malas e abalar para o México onde seria o médico particular do imperador Maximiliano. Trouxe consigo a filha, Mary Katherine, que acabou por se instalar em Denver, no Colorado, após a morte do pai. O mundo selvagem dos cowboys aprenderia de cor a sua alcunha: Big Nose Kate, a namorada vai-e-vem de Doc Holliday, um dos maiores mitos do Oeste, dentista de profissão, viciado nas cartas, daqueles que disparava mais depressa do que a própria sombra e passou anos e anos sendo a sombra de Wyatt Earp e seus irmãos.

Tal como Calamity Jane, Big Nose Kate era uma bebedora incorrigível, o que batia certo com as tendências alcoólicas de Doc. O seu nariz imponente punha os atrevidos em sentido, mas colecionou amantes até às últimas energias. Tinha fama de boa atiradora e confessaria, à beira da morte, com quase 90 anos que aquelas historietas sobre a sua infância na Hungria não passavam de delírios de imaginação e que nascera no Iowa, filha de um pai miserável que nem saberia ao certo o significado da palavra cirurgião.

 

Dinheiro a rodos

Madame Moustache, pelo caminho, ficou rica à conta do black-jack. Resolveu abrir um casino em Nevada City, na Califórnia. Percebeu rapidamente que o seu estilo precisava de alterações. Em Nevada City não havia pachorra para meninas finas de sociedade. Trocou de nome: Simone Jules dava lugar a Eleanor Dumont. Abriu o Vingt-et-un na Broad Street e preparou-se para ganhar ainda mais um bom punhado de dólares. Mas não perdeu a mania da sofisticação. Só os homens eram admitidos na sala de jogos e não havia copos de cerveja, substituídos por taças de champanhe. Era uma mulher inquieta. Não tardaria a fazer-se à estrada.

Tombstone era uma das cidades mais elétricas da fronteira e ficou para a história por causa do famoso tiroteio entre bandidos e forças da lei ocorrido em O.K. Corral, em 26 de Outubro de 1881. Contratados para a instalação dos carris do caminho de ferro, mais de 500 chineses habitavam a cidade. De todos eles, o mais esperto foi uma mulher, Sing Choy, conhecida por China Mary, proprietária de um estabelecimento que fornecia ópio, álcool, jogo e mulheres não necessariamente por esta ordem. Comissionista dos chineses contratados na cidade, tornou-se tão rica como Eleonor Dumond que se metera em sarilhos por via de uma paixoneta por um aldrabão chamado Jack McKnight que lhe pilhou um belo quinhão da fortuna. O ligeiríssimo buço da sua juventude cresceu para bigode com a chegada da meia-idade. Alguém resolveu apelidá-la de Madame Moustache e o nome ficou. Fartou-se do jogo. Também ela se dedicou efusivamente à aguardente e abriu um bordel em Fort Benton.

Myra Maybelle Shirley Reed Starr preferiu viver sempre do lado de fora da lei. Amiga de Jesse James (que chegou a valer 5 mil dólares vivo ou morto, mas de preferência morto), foi uma bandida do seu calibre. Tal como Eleonore, escolheu o caminho da sedução. Cavalgava de lado, como uma verdadeira senhora, e disparava melhor a sua carabina do que a maior parte dos homens que a acompanhavam nos assaltos a bancos e casas de jogo. Não dispensava nem o chapéu de plumas nem as duas pistolas coladas aos quadris. O seu nome também entrou na galeria dos mitos, tal como Dutch Annie, The Queen of Red Light District de Tombstone, provavelmente a mais bem sucedida cafetina do Oeste. Belle Starr, a lady que encantava xerifes, podia ter muitos admiradores masculinos, mas era odiada pelas mulheres. Talvez porque conseguia ser sempre uma delas no reino dos homens. Foi encontrada morta com dois tiros na cabeça, em 3 de Maio de 1889, aos 41 anos. Todos desconfiaram do marido, Sam Starr, um índio cherokee, com quem partilhava um bando de meliantes. Não houve bala que lhe estragasse o penteado…