Kelly Preston. A grande paixoneta da década em que fomos adolescentes

Morreu, aos 57 anos, vítima de um cancro da mama, a actriz que se apaixonou por John Travolta quando era adolescente, e o viu em “Grease”. Teve a premonição de que um dia se casaria com ele, e assim foi. 

Kelly Preston. A grande paixoneta da década em que fomos adolescentes

Os anos oitenta foi a década da nossa adolescência colectiva. Não importa que idade tínhamos então, de algum modo todos fomos tocados pelo encanto e pelo frenesi de um período em que a cultura de massas e a nossa ingenuidade se engataram num baile liceal e acabaram num parque de estacionamento, num carro com uma impecável pintura cromada. Mesmo quem não viveu essa época, acabou por viajar no tempo através dos ciclos nostálgicos de Hollywood, e Kelly Preston foi uma das grandes paixonetas dessa década. A primeira vez que a vimos, que tivemos de esconder um alto nas calças ou nos engasgámos mesmo imaginando-nos a abordá-la num corredor do liceu, foi quando ela apareceu nesse maravilhoso clássico que foi “Christine: O Carro Assassino” (1983).

Ela encarnou na perfeição a fantasia da miúda que, apesar de lindíssima, não paira acima dos meros mortais, e quase parece acessível. Com aquele sorriso entre o cúmplice e o malicioso que nunca perdeu, Preston provou ter uma presença capaz de gerar bulício num salão de baile, quando surge a um canto, e causa uma série de problemas respiratórios. Foi na comédia adolescente “Mischief” (1985), uma dessas fitas que entraram no quadro de honra dos clubes de vídeo, que a actriz se tornou uma referência do imaginário cheio de testosterona desses anos. Era a loira que, para lá de uma beleza que transtorna, parecia ter a confiança suficiente para eleger algum dos miúdos mais tímidos que nem se atrevem a olhá-la directamente. Mas se acabou por escapar ao destino de tantas beldades descartáveis, e se continuou a ter o ocasional papel que impediu que fosse vista apenas como a mulher de John Travolta, o certo é que foi esse o papel a que mais se dedicou, isto depois de reconhecer que, aos 16 anos, quando viu “Grease”, suspirou em sintonia com o resto do mundo pelo rapaz de cigarro ao canto da boca, casaco de cabedal e uma poupa que a brilhantina segurava como a coroa de uma forma de masculinidade exuberante e icónica. Então, teve a premonição de que acabaria por ficar com ele. E assim foi.

Conheceram-se em 1988, nas filmagens de “The Experts”, mas na altura ela ainda era casada, e depois de separar-se ainda namorou com George Clooney, antes de ser arrebatada por Travolta, casando-se com ele três anos mais tarde. Ficaram juntos até este domingo, quando Kelly morreu aos 57 anos, na sequência de um cancro da mama. Pelo meio, tiveram três filhos, o que a levou a fazer uma pausa na representação durante boa parte da década de 1990. Entretanto, com uma personalidade imensamente discreta, ao longo dos 28 anos do casamento, Preston teve de lidar com a constante praga de rumores à volta da sexualidade do marido, e mesmo com alguns escândalos, sendo talvez o mais trágico aquele que se seguiu à morte do seu primogénito, Jett, que era autista e morreu na sequência de uma convulsão quando tinha 16 anos. Foi em Janeiro de 2009, numa altura em que a família estava em férias nas Bahamas, e deu origem a um processo em tribunal em que o motorista da ambulância e o seu advogado foram acusados de extorquir 25 milhões de dólares ao casal para impedir que fossem tornados públicos aspectos sensíveis da forma como o adolescente morreu.

Tanto Preston como Travolta, que eram pais também de Ella Bleu, então com nove anos, e que eram membros da Igreja da Cientologia, assumiram que o culto que gosta de apaparicar celebridades para atrair pessoas comuns, terá sido fulcral na recuperação das suas vidas, com ela a reconhecer que foi ajudada a lidar com problemas de alcoolismo. Em 2010, o casal acolheu o terceiro filho, Benjamin, que perde a mãe aos 10 anos. Travolta veio anunciar a morte da mulher, e agradeceu o carinho dos admiradores, explicando que nos tempos mais próximos vai retirar-se para passar mais tempo com os filhos.

Nascida no Havai, em 1962, Kelly Preston não quis tornar pública a doença, com a qual se debatia há dois anos. Foi o último sinal da discrição com que sempre procurou resguardar a sua vida privada da atenção publica. E, além de ter integrado um dos casais mais emblemáticos de Hollywood depois de Joanne Woodward e Paul Newman, deixa um conjunto de memoráveis participações em filmes de sucesso, contracenando com alguns dos mais destacados actores da sua geração, seja com Arnold Schwarzenegger em “Twins” (1988), seja com Tom Cruise em “Jerry Maguire” (1996) ou com Kevin Costner em “For the Love of the Game” (1999). E depois há ainda a forma como, mesmo que nem tudo lhe tenha corrido de feição, mesmo reduzida ao papel da mãe da namorada de Adam Levine no videoclip de “She Will Be Loved”, dos Maroon 5, permitindo-lhe que faça de galaró, dividido entre as duas, mesmo assim Preston consegue manter-nos presos e alheados do registo pindérico e sofrível da voz, da melodia e da letra, só para a ver exigir a dose de paixão a que tem direito.