“Visitámos uma família que não tinha percebido que tinha covid”

Barreiras da língua, dificuldades financeiras, casas pequenas. Desde o final de junho, equipas multidisciplinares vão a casa dos infetados nas freguesias com mais casos da grande Lisboa para ajudar a cumprir o isolamento. O SOL acompanhou uma manhã no terreno na linha de Sintra.

“Visitámos uma família que não tinha percebido que tinha covid”

A enfermeira tapa as campainhas com as folhas com a informação sobre a família para que ninguém veja para que andar está a tocar. Equipada com o fato branco, óculos, touca, dois pares de luvas – o aparato da covid-19 que já toda a gente conhece mas não tem como passar despercebido à porta de um prédio – usa este gesto simples que tenta manter alguma privacidade das pessoas que querem visitar. Lurdes Veiga explica que foi uma das estratégias que foram arranjando para contornar os olhares, com que perceberam que teriam de lidar logo nas primeiras visitas. Passam 15 dias e nesse aspeto nada mudou. Mal a carrinha pára e começam a vestir-se, veem-se logo pessoas à janela.

As equipas multidisciplinares que desde o final de junho foram para o terreno nas freguesias de Lisboa em estado de calamidade juntam elementos da saúde, Proteção Civil e assistência social. São dinamizadas pelas autarquias e juntas. Lurdes integra uma das seis equipas do concelho de Sintra, uma por cada freguesia que se mantém em estado de calamidade agora até ao final do mês. Enfermeira especialista em saúde comunitária no centro de saúde de Massamá, conhece bem a realidade local e já fazia domicílios, mas os desafios da covid-19 foram para todos terreno novo.

Lurdes começou por fazer a vigilância de doentes por telefone, no sistema Trace-covid. Agora, divide há 15 dias o trabalho mais invisível no centro de saúde, onde é preciso dar seguimento aos pedidos e concluir relatórios sobre cada caso, com as manhãs na rua. «Não tenho tido tempo para parar e pensar no estigma. Mas as pessoas olham, já tivemos uma pessoa a perguntar no prédio para onde é que íamos, que tinha de informar a administração do condomínio. Não damos informações pessoais. Habitualmente as famílias abrem-nos a porta e deixam entrar. Algumas fecham logo a seguir».

‘Medo temos sempre,  mas tentamos prevenir’
O calor aperta e os fatos pesam ainda mais. Numa manhã, a equipa que dá resposta na União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão, chega a ter marcadas sete visitas. No concelho, são feitas 30 a 40 visitas por dia. Entre cada uma é preciso vestir e despir equipamento novo, cumprindo os protocolos para prevenir o contágio. Num hospital, o ambiente é desinfetado. Nas casas, nunca sabem o que encontram e há pessoas que abrem a porta sem máscara. «Medo temos sempre, mas tentamos prevenir», diz a enfermeira, que desde que começou a pandemia redobra os cuidados com as filhas e a primeira coisa que faz quando regressa ao centro de saúde é tomar um duche. Na carrinha da junta de freguesia, Carlos, funcionário com 36 anos de casa, bombeiro do quadro de honra em Queluz, é o motorista de serviço e, mais que isso, o suporte dos elementos: ajuda-os a vestir e despir os fatos, separa o lixo, organiza os materiais, está habituado à ação e acelera uma logística que de outra forma consumiria muito mais tempo. As rotinas são tudo e, como tapa os botões das campainhas, Lurdes explica que ao início equipavam-se antes de ver se as pessoas estão em casa e aceitam a visita. O problema é que, às vezes, na morada no sistema não está ninguém. 

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