SNS com “sistemática suborçamentação da despesa”, diz Conselho das Finanças Públicas

“Ritmo de crescimento da despesa coloca desafios de sustentabilidade financeira”, alerta organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral, que considera que pandemia expôs fragilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde.

As receitas do Serviço Nacional de Saúde aumentaram nos últimos anos, mas a despesa também tem vindo a aumentar a um ritmo crescente. A conclusão é do Conselho das Finanças Públicas, que divulgou hoje uma análise sobre a evolução orçamental do SNS entre 2013 e 2019. O organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral alerta que o ritmo de crescimento da despesa coloca desafios de sustentabilidade financeira ao setor. "O efeito financeiro imediato dos défices do SNS, os quais representam um desequilíbrio económico persistente, é o aumento da dívida a fornecedores externos. Esta dívida no final de 2019 ascendia a 1.589 M€ e 39 entidades (mais de 2/3 do total) apresentam um prazo médio de pagamentos superior a 60 dias, contrariando as disposições legais neste âmbito sobre os atrasos no pagamento por parte de entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde", conclui.

Mais atividade, a mesma suborçamentação

O Conselho de Finanças Públicas assinala que, neste período de sete anos, a atividade assistencial do SNS aumentou quase em todos os níveis de cuidados, com exepção para cuidados de enfermagem nos centros de saúde e internamentos. "Na área dos cuidados de saúde primários, as consultas médicas passaram de 30.347 milhares em 2013 para 31.569 milhares em 2019. Já as consultas de enfermagem observaram um decréscimo de 337 milhares quando se compara 2019 (19.286 milhares) com 2013 (19.623 milhares). Já no que respeita aos cuidados de saúde hospitalares, com exceção do número de doentes saídos do internamento, que passaram de 836 milhares em 2013 para 788 milhares em 2019, todas as restantes linhas de atividade observaram valores superiores em 2019 relativamente a 2013, com as consultas médicas a passarem de 11.614 milhares em 2013 para 12.420 milhares em 2019, as urgências de 6.108 milhares em 2013 para 6.426 milhares em 2019 e as intervenções cirúrgicas de 644 milhares em 2013 para 704 milhares em 2019. A atividade dos cuidados continuados integrados, medida pelo número de utentes assistidos/admitidos, aumentou de 41 milhares em 2013 para 50 milhares em 2019."

Analisando as contas, financiamento e despesas, a conclusão é que as verbas destinadas à saúde aumentaram nos últimos anos, mas a execução tem ficado aquém do esperado e continua a não cobrir os encargos das instituições, um desfasamento que aumentou. "O crescimento da despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou de 0,5% em 2013 para 4,8% no ano de 2019. Com exceção do ano de 2017, em que o crescimento da despesa pública foi superior ao crescimento da despesa do SNS, nos restantes anos analisados o crescimento da despesa do SNS foi superior, aumentando a sua proporção no total da despesa pública, passando de 10,4% da despesa pública em 2013 para 11,8% em 2019", refere o relatório, concluindo ainda que "a despesa do SNS em percentagem do produto interno bruto (PIB) nominal iniciou uma trajetória ascendente em 2018 após ter diminuído entre 2014 e 2017, atingindo em 2019, 5,03% do PIB."

Ainda assim, o SNS continuou a registar défices, tendo registado em 2019 o maior buraco financeiro: "No período de 2013-2019, o objetivo fixado no orçamento inicial para o saldo do SNS nunca foi alcançado, tendo o saldo verificado sido substancialmente pior que o saldo orçamentado, com os desvios desfavoráveis a oscilar entre 42 M€ (2017) e 531 M€ (2019)", refere o relatório, recordando as metas previstas. "Para os anos de 2013 e 2014 estava previsto um saldo nulo, mas foram observados défices de 230 M€ e 249 M€, respetivamente. No ano de 2019 estava orçamentado um défice de 90 M€. Verificou-se um défice de 621 M€, donde resulta um desvio desfavorável de 531 M€". Para o conselho, "Estes desvios negativos resultam, de forma sistemática, de uma suborçamentação da despesa, pois, em média, para o período 2013-2019, a despesa do SNS foi superior em 6% àquela que estava orçamentada", concluindo que "esta evidência sugere dificuldades no planeamento dos recursos financeiros necessários para o SNS e na implementação das políticas que visam a contenção da despesa nos limites orçamentais aprovados pela AR".

Entre 2013 e 2019, o organismo conclui que os défices do SNS somaram 2.796 M€, "com especial destaque para o contributo dos anos de 2018 e 2019, em que o saldo orçamental foi negativo em 733 M€ e 621 M€, respetivamente, representando em conjunto cerca de 48% do total negativo daquela execução orçamental acumulada." Apesar do crescimento da receita, aponta o conselho, o "ritmo de crescimento da despesa coloca desafios de sustentabilidade financeira que importa ponderar no quadro da política orçamental e das políticas de saúde". E deixa um alerta: "a manter-se este perfil de execução orçamental, o SNS necessitará de fundos adicionais para efeitos de satisfação das necessidades de saúde da população".

"A atual crise expôs de forma ainda mais premente as diferentes fragilidades financeiras"

Na apreciação global, o atual momento de resposta à covid-19 não passa ao lado da análise. "É um facto que o SNS se soube adaptar às exigências da pandemia sem entrar em rutura, garantindo tratamento a todos os doentes infetados com o novo coronavírus. Mas também é certo que a crise pandémica veio evidenciar a frágil capacitação do sistema de saúde no seu todo (e em especial do SNS), para responder a uma emergência de saúde pública sem colocar em causa a resposta às patologias e morbilidades associadas ao envelhecimento demográfico", lê-se no relatório. "Em suma, a atual crise expôs de forma ainda mais premente as diferentes fragilidades financeiras e constrangimentos na capacidade de resposta do SNS às solicitações com que se defronta, e veio colocar a questão de saber se a pressão financeira forte que sobre ele se faz sentir, não apenas no curto, mas também no médio e longo prazos, será acompanhada de uma estabilidade e previsibilidade de recursos financeiros, de mecanismos de controlo da despesa e de concretização num quadro financeiro de racionalidade e rigor, e de medidas que visem acautelar a sua solidez financeira futura."