Há 40 mil doentes à espera de cirurgia há mais de um ano, quase o dobro do ano passado

Quebra na atividade cirúrgica nos meses de pandemia levou ao aumento dos doentes em lista de espera para lá dos prazos. Tutela aponta para redução de 25% nos doentes nestas circunstâncias com plano de recuperação da atividade.

No final de abril havia 40 953 portugueses à espera de cirurgia há mais de um ano no Serviço Nacional de Saúde e 123 234 pedidos de primeiras consultas a aguardar há mais de nove meses. O ponto de situação foi feito ao i pelo Ministério da Saúde, questionado sobre as metas traçadas no ano passado que pretendiam resolver estes casos e o impacto da redução da atividade cirúrgica nos últimos meses por força da pandemia. Os dados sobre a evolução dos utentes em lista de espera não são atualizados no Portal da Transparência desde março, quando mostravam já um aumento dos utentes à espera de cirurgia para além dos prazos recomendados e uma ligeira redução dos utentes em lista de espera, o que poderá ser explicado pelo facto de a suspensão das consultas não urgentes na primeira quinzena do período de estado de emergência ter levado logo a menos inscrições para cirurgia nos hospitais. No total havia 239 847 utentes a aguardar cirurgia no SNS, menos 322 do que no mês anterior, dos quais 52 597 para lá dos tempos máximos de resposta garantidos – um número inédito.

Segundo os dados disponibilizados pela tutela, num ano alterado pela pandemia, a situação das esperas mais prolongadas acabou por agravar-se em relação ao ano passado, em que tinham sido traçadas metas de melhoria do acesso. No primeiro semestre de 2019, quando o ministério estabeleceu como meta resolver os casos em espera para consulta e cirurgia há mais de um ano, havia 21 mil doentes à espera de operação nestas circunstâncias e 99 mil doentes a aguardar primeira consulta há mais de um ano. No caso das cirurgias, são agora quase o dobro dos doentes, e nas consultas aumentou também o universo, mas os dados fornecidos pelo ministério dizem respeito a doentes a aguardar há mais de nove meses, não sendo, assim, totalmente comparáveis. Nas cirurgias, ultrapassados dois terços do tempo máximo de resposta garantido, os utentes recebem um vale que lhes permite optar por serem operados noutros hospitais, mas todos os anos existem situações de recusa, quer porque os doentes querem continuar a ser seguidos nos hospitais onde foram inicialmente acompanhados pelos médicos, quer pela distância a que ficam os hospitais que são colocados à sua disposição, e também por alguns dos prestadores identificados nos vales de cirurgia não contemplarem as intervenções em causa.

Questionado sobre as metas para recuperação da atividade, o Ministério da Saúde remeteu para os mecanismos de incentivos à recuperação da atividade definidos no Programa de Estabilização Económica e Social, que preveem aumento do pagamento às equipas que produzem consultas e cirurgias adicionais além dos horários-base. “Prevê-se uma verba de 33,7 milhões de euros destinados à recuperação da atividade de primeira consulta hospitalar e de 25% da atividade cirúrgica de doentes em Lista de Inscritos para Cirurgia cujos tempos de espera se encontrem acima do Tempo Máximo de Resposta Garantido”, indicou ao i a tutela. O Governo tem apontado como objetivo conseguir recuperar até ao final do ano pelo menos 25% da quebra de atividade registada nos últimos meses, o que deverá abranger assim as situações com maior atraso.

Mais medidas

Esta semana, a Convenção Nacional de Saúde defendeu a necessidade de um programa excecional de recuperação das listas de espera geradas pela covid-19 que vá além destes incentivos. Para a plataforma que junta as ordens da saúde e entidades dos vários setores da saúde, “o aumento das listas de espera, cirúrgica e de consultas (médicas, de psicologia e outras) e a não realização dos necessários exames de diagnóstico tornaram-se o problema número um da saúde em Portugal”, defendeu o fórum liderado pelo médico Eurico Castro Alves, propondo a criação de vias verdes para articulação entre hospitais e cuidados primários, a expansão da hospitalização domiciliária e maior proximidade na dispensa dos medicamentos. Em entrevista ao SOL no fim de junho, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares defendeu uma avaliação do impacto da redução da atividade assistencial para definir prioridades de recuperação, propondo a organização de um sistema dual de resposta que liberte alguns hospitais e serviços para a resposta a situações não relacionadas com a covid-19. “Os hospitais estão mais lentos”, alertava então Alexandre Lourenço, chamando a atenção para os novos procedimentos necessários na admissão de doentes e equipamentos para mitigar o risco do novo vírus. “Os hospitais não vão voltar ao mesmo nível de atividade e, portanto, o que temos defendido é que a existência de um plano permitiria estabelecer prioridades concretas para áreas concretas. Daí o apelo para que haja dados públicos que permitam perceber quais são as necessidades, quais as especialidades mais afetadas e onde está a ocorrer a redução da atividade”, disse.