Quo vidis, Portugal?

Creio que será simples entender a analogia que lhe – ao título, entenda-se – está subjacente; sim, quero falar sobre Portugal ‘pós-covid’, apesar da agravante de ninguém saber quando terminará a pandemia. Vamos convencionar, por isso, que me refiro ao pós-confinamento.

por José Manuel Azevedo

Economista

 

Começo por dizer que devo o título desta coluna à minha mulher, com quem falava sobre os tempos vindouros para o nosso país; e também a José Gameiro, ilustre psiquiatra e professor, que escreve noutro semanário sobre temas diversos, e em passada semana se refere jocosamente ao ‘bicho’ que nos invadiu como Quo Vadis.

Creio que será simples entender a analogia que lhe – ao título, entenda-se – está subjacente; sim, quero falar sobre Portugal ‘pós-covid’, apesar da agravante de ninguém saber quando terminará a pandemia. Vamos convencionar, por isso, que me refiro ao pós-confinamento.
Abordarei, por ser prioritária, uma dimensão em particular, a da nossa economia.

1. Como está e como ficará então a economia portuguesa? 
Não tendo tido oportunidade de ler em detalhe o documento preparado por António Costa Silva, refiro, contudo, que tem dois méritos essenciais: a rapidez de preparação e a abrangência de conteúdos. 
A rapidez evidencia que se trata de alguém que de há tempos andaria a analisar o futuro deste país e que sobre ele tinha já profundos elementos de diagnóstico, fruto da sua experiência profissional, da sua rede de contactos, da sua reflexão. Quantos estudos do género já efetuámos em Portugal, inclusivamente com economistas/consultores internacionais, pagos a peso de ouro, que demoraram ‘uma eternidade’ a produzir?
A abrangência de conteúdos, tocando temas como a crise sistémica, seus constrangimentos e oportunidades, alterações na sociedade, etc., apontando depois os principais eixos em que se deve apoiar a recuperação económica e social, comprova que se deteve nas questões essenciais para o país, independentemente da concordância que uns e outros poderão ter sobre a visão constante desta proposta de início do mês.
Posto isto, resolvi consultar os indicadores de atividade económica recentemente publicados pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia e o que foi que deles concluí? Que uma série deles já se encontrava em redução clara desde o primeiro trimestre de 2019! Exemplos: o indicador de atividade económica, produzido pelo INE, sempre a descer, de 2,6 no primeiro trimestre de 2019 até 1,8 no último – e daí para o primeiro trimestre de 2020, variação homóloga ainda positiva, cifrando-se em 0,2.

Outros dois exemplos: (i) indicador de formação bruta de capital fixo (investimento em ativos fixos) – decresceu de 11,5 no primeiro trimestre de 2019 para 2,1 no último, registando uma variação negativa de 0,4 no primeiro de 2020; (ii) vendas de cimento: de 22,2 no primeiro trimestre de 2019, excelente número, reconheça-se, para 10,7 no quarto trimestre e, já em 2020, nova redução para 5,6.
Sendo certo que há outros indicadores que, ainda que evidenciem variações homólogas decrescentes, são positivos – por exemplo, o volume de vendas no comércio a retalho (cuja variação negativa em 2020 é, naturalmente, enorme) –, um elemento me merece destaque aqui: a grande maioria dos indicadores de confiança dos consumidores, seja o global, seja na indústria transformadora, na construção, no comércio, ou ainda nos serviços prestados às empresas, apresenta números negativos e decrescentes.
Atentos a estes números, o que será de esperar, numa breve síntese, da evolução da economia portuguesa?

1. Que os efeitos perniciosos desta pandemia se prolonguem por bastante tempo, mesmo que o confinamento tenha provocado, nalguns setores em particular, acréscimo significativo do volume de negócios (ouvi uma responsável de uma grande cadeia de retalho especializado dizer que as suas vendas de material de informática e comunicações tinham multiplicado por sete, neste período);

2. Tendo muito do nosso crescimento sido baseado numa economia de serviços (característica de há dezenas de anos) que necessitamos urgentemente da descoberta da vacina para o vírus, ou pelo menos dum tratamento eficaz. Basta pensar-se no turismo… Perdoem-me a ironia da imagem: quando voltaremos a ver ocupada, e com fila de espera de dezenas de pessoas, a cadeira que ladeia a escultura de Fernando Pessoa, no Chiado? 

3. Que o crescimento da economia será função de duas variáveis: (i) do investimento e dos fundos que virão da Europa para o suportar; e (ii) da boa utilização que deles for feita;

4. E ainda, tão importante como as anteriores, que regresse a confiança dos consumidores portugueses e dos investidores estrangeiros em Portugal.
Termino com um quase absurdo: para que servirá uma economia ‘de serviços’ se indústria e agricultura não se desenvolverem?