Risco de morte com covid-19 é 200 vezes maior a partir dos 80 anos mesmo sem doenças conhecidas

Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa analisaram dados dos primeiros 20 292 casos no país e quantificaram os fatores de risco. A idade parece sobrepor-se à existência de comorbilidades mas, em qualquer faixa etária, não ter doenças de base parece reduzir duas vezes o risco de morte associado à infeção.

A idade avançada parece ser o fator mais determinante para o risco de mortalidade por covid-19. A conclusão é de um grupo de investigadores de sete departamentos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que analisaram os dados referentes aos primeiros 20 292 casos no país, entres os quais se tinham verificado 502 mortes até ao final de abril.

A análise, que é uma das mais abrangentes até à data a nível internacional, foi publicada na revista Journal of Clinical Medicine, sendo também o primeiro trabalho académico com base nos dados nacionais publicado numa revista internacional com revisão por pares. Conclui que, mesmo entre os doentes sem pré-condições de saúde documentadas pelos médicos, o risco de morte com covid-19 foi neste primeiro período da pandemia, no país, 200 a 600 vezes maior acima dos 80 anos do que nos doentes com menos de 55 anos. Doenças cardíacas e renais, desordens neuroesqueléticas e doenças como Parkinson foram associadas a um maior risco de letalidade, o que não se verificou na diabetes, que tem sido apontada, no entanto, como um dos principais fatores de risco quer para casos graves quer para desfechos fatais da infeção. Não ter qualquer doença de base foi associado a risco duas vezes menor de morte em qualquer faixa etária, acabando o risco por ser sempre mais elevado nos doentes mais velhos.

As conclusões foram explicadas ao i por Paulo Nogueira, autor principal do artigo, que sublinha tratar-se de uma análise do período inicial da epidemia, até ao final de abril, devendo as conclusões ser encaradas, por isso, com precaução. O investigador salienta, no entanto, que elas vêm confirmar a ideia de que a idade avançada é o principal fator de risco, sendo esta população especialmente vulnerável mesmo quando não existem doenças de base conhecidas. “Há algo de intrínseco na idade que faz com que se tenha crescentemente mais risco de morte, o que continua a ser necessário aprofundar”, defende Paulo Nogueira. Neste primeiro grupo de doentes analisados, os investigadores concluíram que a média de idades nos casos fatais era de 81 anos, enquanto a média de idades nos casos em que os doentes permaneciam internados ou tinham recuperado era de 51 anos. Estratificando o risco de morte por faixa etária nos doentes sem pré-condições de base – uma das novidades do estudo -, concluíram que entre os casos analisados, o risco de morte entre 80 e 85 anos era 281 vezes superior ao de alguém de 55 anos, chegando a ser 640 vezes superior entre os 95 e os 104 anos, a idade do doente mais velho.Os autores admitem no artigo que poderão existir diferentes explicações, desde logo, o maior risco de morte nestas faixas etárias resultar mais da idade em si do que da infeção, mas salientam que há outras hipóteses que já têm sido colocadas, desde a deterioração do sistema imunitário com a idade, malnutrição ou poder ignorar-se sintomas iniciais e não procurar de imediato aconselhamento médico. Concluíram ainda que, em qualquer faixa etária, os homens têm um risco maior de morte do que as mulheres, o que poderá ser explicado pelo adiamento na procura de cuidados, documentado noutros contextos.

Na análise das pré-condições clínicas, os investigadores concluíram que os doentes cardíacos neste primeiro grupo de infetados tinham um risco de morte associado à infeção três vezes superior aos que não tinham esta pré-condição, sendo o risco nos doentes renais 2,8 vezes superior. Nas doenças neuromusculares foi apurado um risco 41% superior. Paulo Nogueira salienta que o facto de a diabetes não ter sido associada a um aumento do risco de letalidade foi uma das conclusões mais inesperadas, que deverá continuar a ser investigada. Uma das hipóteses será perceber até que ponto ter a doença compensada influencia o prognóstico e se seria esse o caso dos doentes infetados. Neste estudo, os autores não conseguiram perceber quais eram os níveis de glicemia dos doentes diabéticos, sendo uma das questões que fica em aberto. 

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