“Ainda hoje tenho dificuldade em definir-me profissionalmente”

O homem pode sair da Margem Sul, mas a Margem Sul nunca vai sair do homem. Rui Unas, autor desta boutade, está a meses de a testar: o correr da vida profissional dita que, ao fim de 46 anos e depois de uns quantos êxitos alavancados no local que o viu crescer, a família se…

Ao longo da conversa que começou por se centrar no projeto Maluco Beleza – o programa que começou no sótão da sua casa, saltou para um estúdio próprio e, neste momento, se financia com as doações de quem o vê no YouTube –, veio à tona a polivalência do interlocutor: humorista, ator, apresentador, produtor, youtuber, empresário, tiktoker, inventor de nomes de programas? “Normalmente, as pessoas escolhem um”, conta, lembrando que, quando começou, cada qual era uma coisa e só ela. De certo modo, foi também Rui Unas e a sua necessidade permanente de se reinventar que vieram mostrar que os profissionais de comunicação podem ter muitos pratos no ar. E os pratos dele estão constantemente a prototipar o futuro, tanto que, depois do YouTube, os vídeos que começou a fazer na quarentena com a sua mulher no TikTok já se tornaram um fenómeno. O truque para o sucesso? Não haver truques, deixar fluir a energia e saber que o melhor remédio para combater o lado lunar que assume que o domina é ter sempre um projeto na manga. E, afinal, como vamos catalogá-lo? O b,i. não tem dúvidas na hora de responder ao repto: Rui Unas é um artista de variedades.

Falei com algumas pessoas que acompanham o seu trabalho desde sempre e uma das perceções que partilhavam é que, quando o Rui está a dar entrevistas, se retrai, quase parece uma pessoa diferente. Concorda?

Estão certos. Sempre fui muito acanhado a dar entrevistas. Como hei de explicar isto? Às vezes, o que passamos, neste caso do trabalho que faço, cria uma imagem. Estou sempre naquela luta de corresponder a essa imagem e, ao mesmo tempo, não corresponder. Não sou aquela persona que as pessoas pensam que sou pelas palhaçadas que faço na televisão, pelos sketches que faço. Lutei sempre com esta vergonha, com este acanhamento. Hoje estou bem melhor e muito mais tranquilo em relação a isso, tanto que criei um espaço que é o Maluco Beleza, onde sou eu próprio e não meço muito o que digo, tal como meço numa entrevista. Sou capaz de falar mais de mim num [episódio do] Maluco Beleza do que numa entrevista, porque tenho sempre a ideia de que as pessoas que vão ler isto têm uma imagem minha que eu não quero defraudar, mas também é verdade que a imagem que as pessoas têm de mim não é a correta, porque é uma projeção artística. Um dia, se calhar, vou estar completamente resolvido, mas estou bem melhor do que estava no início.

Parte do seu trabalho passa efetivamente por fazer entrevistas, e aqui já vieram pessoas completamente diferentes. Sente que vêm para aqui com essa persona ou que conseguem abrir-se consigo para lá da imagem pública?

Antes de fazer o Maluco Beleza tive centenas e centenas de horas de entrevistas em programas de televisão, por isso sei o que é ser entrevistador e o que é ser entrevistado, e justamente por saber que, quando somos entrevistados, num registo de televisão ou de rádio ou mesmo em imprensa escrita, criamos sempre uma persona – especialmente em televisão, com o tempo contado, em que temos de corresponder e darmos respostas inteligentes ou sermos engraçados. Nunca somos verdadeiramente nós porque também não há tempo para isso, e eu, aqui no Maluco Beleza, não tenho essa ditadura do tempo, não há constrangimentos nenhuns porque estou na internet, no meu espaço, é literalmente a minha casa. Acredito que a esmagadora maioria dos convidados que aqui chegam, mesmo que venham com esse hábito, passados 20 minutos acabam por estabelecer genuinamente uma conversa comigo. As câmaras estão ali, os microfones estão ali, mas há uma parte do cérebro que fica um bocadinho entorpecida e esquecem-se, não há aquela pressão de estarmos num estúdio de televisão. Regra geral, o que acontece é que o público fica a conhecer uma outra identidade associada a essa pessoa, e é surpreendente porque os veem a falar com uma desenvoltura a que não estão habituados. Muita gente me diz: «Eh pá, eu não gostava muito – vou dizer um nome ao calhas – do Nuno Eiró, mas, afinal, é um gajo porreiro». Isso acontece muitas vezes.

Usa o sistema do patronato no Maluco Beleza, ou seja, quem vai patrocinando o programa pode interagir de maneira diferente consigo. O dinheiro que recebe destas pessoas é suficiente para manter o projeto ou é apenas uma ajuda?

Atualmente, é um pilar fundamental e é o que garante que pague as contas do arrendamento do estúdio – e já temos aqui um estúdio profissional.

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