Como os debates criaram crispação no PSD

Sucedem-se as queixas de falta de discussão interna na bancada laranja. Nada que abale Rio, que fez participação de sete deputados ao conselho de jurisdição e quer descolar do Bloco Central.

Como os debates criaram crispação no PSD

A sessão legislativa terminou, o presidente do PSD continua líder parlamentar até setembro (depois de terem sido adiadas as eleições internas devido à covid-19)  e a crise sanitária reduziu o número de reuniões da bancada dos sociais-democratas. Mas o ano parlamentar terminou com alguns amargos de boca no PSD e uma participação de Rui Rio ao Conselho de Jurisdição Nacional para sete deputados que decidiram furar a disciplina de voto e contestaram o fim dos debates quinzenais, aprovados pelo PS e pelos sociais-democratas. 

Vai haver consequências? Dificilmente. O argumento de quem desalinhou pode ser (quase) imbatível no Conselho de Jurisdição. O tema que aqueceu as últimas duas semanas (além do caso do Novo Banco) não foi discutido ou aflorado nas reuniões da bancada, como manda o regulamento interno do grupo parlamentar. E esse será um argumento de peso para travar qualquer cenário de sanções disciplinares aos deputados Pedro Pinto, Pedro Rodrigues, Margarida Balseiro Lopes, Alexandre Poço (entretanto eleito novo líder da JSD), Emídio Guerreiro, Álvaro Almeida e Rui Silva. 

A decisão de comunicar a quebra de disciplina de voto ao tribunal do partido motivou reações de alguns dos visados. Pedro Rodrigues, por exemplo, emitiu uma nota em que arrasou a decisão da direção de Rui Rio. O deputado, que foi apoiante do presidente do PSD durante o seu anterior mandato, não poderia ser mais crítico: "A ausência de qualquer preocupação em desenvolver discussão interna sobre este tema, bem como a imposição unilateral da disciplina de voto, contrariando a tradição do nosso partido e do nosso grupo parlamentar, assim como a interposição de processos disciplinares a todos quantos decidiram, em consciência, manter-se fiéis à identidade do PSD, só pode significar justamente a consciência da fragilidade da posição assumida pelo Presidente do PSD", escreveu o parlamentar, acusando a direção do partido, leia-se Rui Rio, de "violência dirigista, autocrática e centralizada no diretório partidário, que não tem lugar num partido como o PSD". Já Margarida Balseiro Lopes manifestou-se tranquila com todo o processo.

Antes desta decisão, Rui Rio viu as páginas oficiais do partido nas redes sociais serem inundadas com críticas. Ao ponto de o próprio ter divulgado um powerpoint  na rede social Twitter  para demonstrar que não haveria menos fiscalização ou debate com o novo modelo de regimento da Assembleia da República, enumerando as presenças obrigatórias do primeiro-ministro no Parlamento (a cada dois meses), fora os debates com o Governo, mais a possibilidade de ser chamar o primeiro-ministro ao Parlamento a todo o momento. Pode lá ir até 13 vezes, segundo Rui Rio.  As explicações, ainda assim, deixaram um lastro de crispação e até o eurodeputado Paulo Rangel (respeitado internamente pelas suas posições) foi crítico da decisão. Um facto que poderá ter contribuído para que se evitasse qualquer leitura de que se estava perante uma lista de críticos outra vez ao ataque (já habitual no PSD). E o processo teve impacto junto da direção do PSD? 

Segundo informações recolhidas pelo SOL, ao contrário, por exemplo, do episódio do descongelamento de carreiras dos professores (que obrigou o Governo a ameaçar com uma crise política), desta vez o PSD não foi inundado de e-mails de protesto. Ainda assim, há quem reconheça que o dossiê dos debates quinzenais foi um momento de desgaste desnecessário.

Guilherme Silva, antigo líder parlamentar do PSD e ex-vice-presidente do Parlamento, faz uma avaliação negativa deste caso, colocando  PS e PSD no mesmo saco. Em declarações ao SOL, e em jeito de balanço da sessão legislativa, o ex-dirigente social-democrata considera que "esta decisão relativamente aos debates quinzenais é uma decisão disparatada". O ex-líder parlamentar até admite que se poderia discutir a mudança de debates quinzenais para mensais, mas "a verdade é que se formou uma maioria [PS e PSD] um pouco suicida que aceita ou restringe o exercício dos poderes que cabem à Assembleia". E remata: "Acho que veio borrar um pouco escrita de uma postura que foi de uma forma geral correta, quer do governo, quer da oposição" em tempos de pandemia da covid-19 e com uma crise económica e social pela frente.

 

Os gambozinos e o Chega

Esta semana também, Rui Rio deu uma entrevista à RTP3 , onde abordou a relação com o PS, a posição do PSD para o próximo Orçamento do Estado e eventuais alianças futuras.  Sobre as contas do Estado para 2021, o líder do PSD arrumou o assunto: a possibilidade de os sociais-democratas virem a concordar ou aceitar um documento negociado entre PS, BE e PCP será "reduzidíssima". E espera para ver como se verá um orçamento sem austeridade. 
Quanto a eventuais entendimentos futuros, designadamente, com o Chega, de André Ventura, Rio foi muito preciso. Com a atual linha do partido de Ventura, não quer conversas. E deixou o recado: "Não depende do PSD, depende do Chega. Se o Chega evoluir de uma tal maneira que – embora seja um partido marcadamente de direita, em muitos casos de extrema-direita, muito longe de nós que estamos ao centro –, se o Chega evoluir para uma posição mais moderada, eu penso que as coisas se podem entender". O discurso de Rio (que não abordou esta matéria nas reuniões da comissão permanente do partido) foi lido no PSD como o reconhecimento de que se o partido vencer eleições, no futuro, terá de trabalhar com os vários partidos à sua direita ( CDS, Iniciativa Liberal e Chega). Houve uma polarização do sistema político e já não basta ao PSD negociar com os democratas-cristãos (que perderam bastante terreno nas legislativas e não descolam nas sondagens).

O Chega de André Ventura já respondeu a Rui Rio: "O Chega também só aceitará conversar com um PSD que aceite ser oposição à séria e não a dama de honor do governo socialista. Se o PSD honrar a sua tradição e voltar a representar os portugueses descontentes com o atual rumo das coisas podemos conversar. Caso contrário, não há ponte possível", segundo um comunicado da direção daquele partido.

Após esta entrevista e num périplo pelo Algarve (onde o PSD teme uma crise económica e social sem precedentes), Rui Rio também voltou a falar do Bloco Central. O líder do PSD tem sido acusado de o incentivar, mas Rio quis, novamente, afastar o assunto: "O primeiro-ministro já disse que o Orçamento de Estado de 2021 vai ser preparado com o PCP e BE e, por isso, não sei porque estão sempre a falar do bloco central. É porque não haverá outros assuntos, o que também é bom, antes isso que coisa pior".  E até respondeu à imagem de ‘caça aos gambozinos’ usada por Costa (numa entrevista à Visão) para afastar tal cenário: "É no escuro à noite e com um saco, pede-se ao gambozino para vir ao saco e o gambozino virá ao saco ou não. Se andarem também com um saco a pedirem o Bloco Central, mesmo de noite ou de dia, penso que o bloco central não cai no saco", brincou o líder social-democrata.
Sem caça aos gambozinos no horizonte, Rio prepara-se para ir de férias no Minho no início deste mês, com o tema do Novo Banco na agenda, a situação económica, as queixas de falta de debate interno na sua bancada, e uma denúncia anónima no Ministério Público de funcionários do seu partido sobre o uso do orçamento do grupo parlamentar para pagar alguns salários de funcionários do PSD (notícia da Sábado).