Geração insatisfeita

Muitas vezes o prazer não é sequer imediato porque nem chega a existir. A ânsia do que não têm impede-os de saborear o presente

Ouvimos vezes sem conta os nossos pais dizerem: ‘Com a vossa idade tinha um ou dois brinquedos e bastava-me. Não tínhamos televisão, conversávamos e fazíamos jogos em família. Hoje têm tudo e não se satisfazem com nada.’ Hoje somos nós que pensamos em relação aos filhos: ‘Irra, é incrível como têm tudo e mais alguma coisa e não ficam satisfeitos. Com a idade deles tinha meia dúzia de brinquedos, via desenhos animados só ao fim de semana e já ficava satisfeito’.

Claro que não se pode desejar o que não existe ou o que sabemos impossível de alcançar. São tempos sem comparação possível. Mas uma coisa é certa: a abundância, a facilidade de aquisição e a sensação de insatisfação têm vindo a aumentar de mãos dadas. 

Se assistimos facilmente a este fenómeno em quartos a transbordar de brinquedos em que as crianças não se entretêm com nada, ele não é menos evidente em acontecimentos do dia-a-dia. Muitos entram numa sala de cinema na ânsia do próximo grande evento. Se lhes dão uma das refeições preferidas, à primeira dentada estão a pensar no que será a sobremesa, ou choram com um chocolate na mão porque queriam um chupa-chupa. Muitas vezes o prazer não é sequer imediato porque parece nem chegar a existir. A ânsia e a expectativa do que não há são mais fortes, tornando-se impossível saborear o presente. Desde o momento em que qualquer desejo é satisfeito deixa de ter importância e o que não têm ocupa um lugar de excelência.

Como se houvesse sempre qualquer coisa que esperam e que não se realiza. Um vazio que não se enche. Ou como se esperassem mais da vida ou do que temos para lhes oferecer. Talvez ficassem mais saciados na relação, com atenção, afeto, reconhecimento e tempo.

Talvez o tempo de antigamente fosse de facto mais satisfatório. Os serões em família sem televisão, as conversas e encontros entre amigos, as tardes na rua a jogar à bola, o nada que originava qualquer coisa, as brincadeiras que se criavam e se faziam. Talvez as relações sejam cada vez mais vazias e no seu lugar estejam estes novos aparelhos que desabituam as novas gerações de viver o que é realmente importante. Pensar, esperar, conviver, estar em silêncio com os outros, inventar, experimentar, falhar, brincar… Talvez o imediatismo e o facilitismo desta nova vida – destes vídeos sem qualquer interesse, destes jogos sempre iguais, das mensagens ocas de conteúdo, das deprimentes selfies – os habituem a um fácil encher de nada. A um ocupar a cabeça com coisa nenhuma. Deixando de se demorar a idealizar, a sonhar, a usar o seu tempo em coisas que agora parecem inúteis e secantes, mas que talvez até servissem para qualquer coisa. Talvez um bom serão em família, regado de boas gargalhadas e histórias únicas, os deixasse mais saciados do que três horas no tik tok, dois super hambúrgueres, um gelado e um armário cheio de brinquedos. São momentos destes que nos fazem crescer, que nos formam, que nos enchem e que nos ficam para sempre. A abastança de coisas perecíveis só serve para queimar o tempo que eles ainda não sabem que é precioso e deixar uma insuportável sensação de vazio e a ânsia do que vem a seguir. Nem sempre é fácil, mas temos de fazer um esforço para dar mais, dando menos, mais de nós e menos de coisas que não servem para nada.