Portugal tem agora muitos milhões para gastar. Mas, como escrevi noutra coluna, isso pouco representará: a experiência mostra que os milhões caídos do céu pouco têm contribuído para o desenvolvimento do país.
As pessoas podem passar a viver um bocadinho melhor, as cidades podem ficar mais bonitas, mas a capacidade produtiva manter-se-á estagnada. Não haverá um salto para outro patamar. E os novos hábitos de consumo entretanto adquiridos contribuirão para aumentar a dívida externa e atirar sacrifícios para as gerações futuras.
Repito: o dinheiro que não é gerado dentro da nação cria vícios e tem pouco impacto no crescimento.
O grande segredo para o desenvolvimento de Portugal não serão os milhões da Europa ou doutro sítio qualquer. O segredo seria a estabilidade política. A continuidade de políticas empenhadas no aumento da capacidade produtiva.
Quais foram os períodos mais fecundos dos últimos dois séculos, que tiveram o seu reflexo em grandes obras públicas? O fontismo, evidentemente, o salazarismo, evidentemente, e o cavaquismo, evidentemente.
O fontismo lançou as bases do Portugal moderno, com os caminhos de ferro, as novas estradas e pontes, a iluminação pública, o telégrafo.
O salazarismo construiu portos, escolas, bairros sociais e hospitais por todo o país, e lançou a Lisboa contemporânea: o aeroporto da Portela, as gares marítimas, o Hospital de Santa Maria, o Instituto de Estatística, o Parque Eduardo VII, a Cidade Universitária, a 1ª ponte sobre o Tejo.
O cavaquismo desenvolveu um enorme programa de escolas secundárias para corresponder à explosão da população escolar, fez hospitais distritais, autoestradas, a 2.ª ponte sobre o Tejo, o CCB.
Fora destes períodos, o que se fez foi muito pouco. Sócrates teve um impulso modernizador, com as energias renováveis, as autoestradas, os programas Polis, o projeto do TGV, mas ficou a ideia incómoda de que as obras eram mais determinadas por interesses inconfessáveis do que pelo interesse nacional.
Foi pena.
Ora, aqueles três períodos – o fontismo, o salazarismo e o cavaquismo – corresponderam a quê? Aos períodos de maior estabilidade política.
Em instabilidade nunca se construiu nada: na primeira metade do séc. XIX, na 1.ª República, entre o 25 de Abril e 1985, na parte final do séc. passado e nas duas décadas que este já leva de vida.
E note-se que as vantagens da estabilidade não se veem só na política – também são verificáveis no futebol. Qual o período de ouro do FC Porto? O longo reinado de Pinto da Costa. E quando é que o Benfica retirou a hegemonia ao Porto? Depois de, com Luís Filipe Vieira, ter recuperado a estabilidade diretiva que lhe escapara durante três décadas.
Uma das vantagens da democracia é a rotação no poder. Que evita os vícios que podem resultar de uma presença prolongada no Governo. Mas esta é também a principal desvantagem da democracia: a rotação impede a continuidade das políticas.
Para evitar esse mal, muitos advogam um acordo entre os dois maiores partidos: assim se garantiria a continuidade, independentemente de quem estivesse no Governo. Mas alguma vez isso se conseguiu? Alguma vez houve um acordo estável entre PS e PSD? Todos os esforços que se fizeram nesse sentido foram por terra na primeira esquina.
No período da troika, quando Portas se demitiu, o Presidente Cavaco Silva exigiu um acordo entre o PSD e o PS até ao fim da legislatura. Ora, isso deu em quê? Nunca se fez.
E o que fez António Costa depois de ser primeiro-ministro? Respeitou as decisões do Governo anterior? Claro que não. Reverteu tudo o que pôde reverter: a privatização dos transportes urbanos, a privatização da TAP, as 40 horas na Função Pública, etc…
E agora, perante a crise que se apresenta devastadora, o que propôs? Um acordo de regime com o PSD, considerando até o comportamento colaborante de Rui Rio, que tem vindo a dar a mão ao Governo? Não. A primeira coisa que fez foi propor ao PCP e ao BE um acordo à esquerda.
É óbvio que, depois disto, quando um dia a direita for para o poder, a sua tentação será reverter todas as grandes decisões tomadas por este Governo e deitar para o lixo o plano Costa Silva encomendado por António Costa.
Um plano que, diga-se de passagem, parece muito inspirado pelo primeiro- ministro: defende o novo aeroporto, defende o TGV, defende a aposta na TAP, ataca a ideia de um Estado mais leve… É um plano de António Costa, a que o Silva não acrescentou grande coisa.
Com este sectarismo e esta falta de continuidade, com esta ausência de uma ideia sobre o país que atravesse as legislaturas, nunca iremos a lado nenhum.
Ouçam o que vos digo.