A grande ilusão…

Desta vez, se Portugal está mal a Europa também não vive folgada e não há ‘bazuca’ que nos livre de ‘apertar o cinto’, a tal austeridade que o Governo finge que não virá quando já cá está. 

O afundamento da economia portuguesa, mede-se na quebra do PIB na ordem dos dois dígitos, e não augura nada de bom no regresso dos portugueses de férias. 

E de pouco adiantará que comparemos o nosso recuo com o de outras economias europeias, em proporção semelhante ou superior, porque será fraco consolo. O retraimento desses mercados não favorece o turismo nem estimula as exportações. 

Desta vez, se Portugal está mal a Europa também não vive folgada e não há ‘bazuca’ que nos livre de ‘apertar o cinto’, a tal austeridade que o Governo finge que não virá quando já cá está. 
A saúde do sistema passou rapidamente à fase da ‘respiração assistida’ e o ‘milagre’ do crescimento, muito baseado no turismo, depressa se desvaneceu. 

O Governo vangloria-se agora com o dinheiro que há de vir da Europa, sob a forma de empréstimos e a fundo perdido, como se fosse a panaceia para todos os males. E não é. 
Há muito que o país é contemplado com fundos europeus avultados e, não obstante essa ‘pipa de massa’, em corrente contínua, houve algum progresso, mas, comparativamente com parceiros europeus equivalentes, estamos entre os que tiveram pior ‘performance’, mesmo incluindo os recém-chegados à União, vindos do ex-Bloco comunista.

Um trabalho assinado por Paulo Ferreira no jornal eletrónico Eco é, a esse respeito, muito elucidativo. A evolução do PIB per capita num conjunto de 14 países europeus, entre 1992 e 2019, indica que Portugal cresceu apenas 3,2%, enquanto a Estónia, por exemplo, progrediu 48,3% e a Irlanda – a melhor de todos – com 102,2%. Mesmo a Espanha, crescendo pouco, registou 6,6%, o dobro de nós. Pior, só a Grécia, cujo PIB per capita diminuiu, no mesmo período, 11, 3%. 

Por isso, e embora os chamados ‘frugais’ tenham imposto regras no Conselho Europeu para fiscalizar a aplicação dos dinheiros, não é de excluir que se repitam os erros e os esbanjamentos anteriores, investindo em obras de ‘encher o olho’ para servir clientelas político-partidárias. 

Por estes dias de férias ‘cá dentro’, conviria ainda não passar ao lado de um texto de Isabel Jonet no Observador, que é um ‘grito de alma’. A dinamizadora do Banco Alimentar escreve que «nada o faria prever: 18 570 novos pedidos de ajuda, 58 mil pessoas, uma onda de inesperados novos pobres que nasceu na pandemia e que cresce todos os dias». 
Bem podem António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa anunciarem, em uníssono, que o desfecho em Bruxelas do Conselho Europeu foi um «histórico resultado» e que o envelope deverá ser suficiente para enfrentar a crise. 
Infelizmente, a crónica da utilização dos dinheiros europeus está longe de ser lisonjeira e os indicadores da nova pobreza estão a disparar. 

É neste contexto, carregado de incertezas, com o PIB a derrapar 16,5%, que choca o comportamento de um setor privilegiado, sem problemas de salário no final do mês. 

O funcionalismo público, além de não correr o risco do desemprego, aproveitou a pandemia para apresentar um ‘caderno de encargos’, com exigências que deveriam envergonhar os sindicatos que as promovem, designadamente, no teletrabalho. 

Não adianta adoçar as arestas. É uma evidência que germinam neste setor – que congrega uma poderosa legião de eleitores – os maiores focos de preguiça e de resistência a qualquer mudança. 
Por isso, haver um ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública é tão paradoxal e caricato como criar um curso de música destinado a surdos profundos…

Serve para promover reuniões com sindicatos autistas, cujo desfecho passa, invariavelmente, por mais regalias e menos deveres para estes trabalhadores, beneficiários ainda de um regime de 35 horas, que contrasta com as 40 horas semanais no setor privado, sujeito a não poucas contingências. 

A pandemia tem afetado seriamente o tecido produtivo do País, mas o funcionalismo viceja num mundo aparte. 
O teletrabalho foi o maná que os sindicatos agora descobriram, e o Governo patrocina, ao admitir que 25 % dos servidores do Estado poderão ficar em casa, até com subsídio de refeição. 

Os sindicalistas não se contentam e querem mais. Acham que o trabalho à distância implica «custos acrescidos» e defendem que «não podem ser apenas poupanças em transporte e refeições» (…) «tem de haver compensações, sejam elas de natureza salarial ou em termos de progressão da carreira». Lê-se e não se acredita. 

É outro sintoma malsão da crise. A máquina do Estado está cheia de vícios e de servidores que não o servem – servem-se. E ainda exigem o ‘direito a desligar’ em casa… 

Ou seja, o ‘monstro’ é insaciável. E o Governo, em vez de agilizar a administração pública, dispensando quem está a mais, parece apostado a ceder em novas mordomias. É a grande ilusão. Em ‘nome da rosa’… e do voto.