Neill Lochery, autor de Porto – a entrada para o mundo. ‘Os britânicos trataram muito mal os portugueses’

Professor de Estudos do Médio Oriente e do Mediterrâneo em Londres, nos últimos anos Neill Lochery tem-se dedicado a escrever livros sobre Portugal. No mais recente, Porto – A Entrada para o Mundo (ed. Casa das Letras), mergulha na história da Cidade Invicta, ajudando-nos a perceber que forças a moldaram e transformaram no que é…

Instalou-se no Porto para fazer a pesquisa para este livro?

Acredito grandemente que quando estamos a escrever um livro sobre um lugar, temos de estar lá. Quando escrevi sobre Lisboa, estivemos lá, pesquisei em vários arquivos, como a Torre do Tombo e os arquivos da Câmara Municipal. Quando escrevi sobre o Médio Oriente, estive em Israel e noutros países. Quando decidi escrever sobre o Porto, pensei que tinha de vir para cá, ainda que, ironicamente, o arquivo oficial do Porto ainda esteja guardado na Torre do Tombo, em Lisboa. É muito importante familiarizarmo-nos com o lugar, caminharmos pelas ruas. Talvez isto pareça disparatado, mas uma das primeiras coisas que faço quando vou a um sítio pela primeira vez é visitar o cemitério local. Ando por ali, para ficar com uma ideia das figuras locais, dos políticos, das pessoas da cultura que ali estão enterradas. Isto dá-nos um bom ponto de partida para a pesquisa. Aqui no Porto, por exemplo, têm um memorial às vítimas dos vários conflitos que aqui tiveram lugar.

Por falar em batalhas. O Porto é conhecido como a Cidade Invicta. Essa designação é rigorosa, tendo em conta os factos?

[risos] É uma boa questão. Depois da Guerra Peninsular [invasões napoleónicas, 1807-1814], sim, é acertado. Esse é um aspeto importante da história local e, como sabe, baseia-se na ‘Guerra dos Dois Irmãos’ e no Cerco do Porto [1832-33] e na ideia de que os liberais se recusaram a capitular ao cerco montado pelos absolutistas. Depois disso a rainha outorgou esse título à cidade. Se recuarmos um pouco mais, claro, notará que o Porto foi tomado durante a Guerra Peninsular, de uma forma muito rápida e dramática, num ataque muito inteligente, que empurrou as defesas locais para os lados – e depois os franceses carregaram pelo meio. Foi uma derrota retumbante, a que se seguiu um breve período de ocupação francesa, antes de uma coligação entre os britânicos e os portugueses expulsar os franceses. 

Tal como seu nome indica, o Porto é uma cidade portuária, aberta ao tráfego marítimo. Também é sabido que os ingleses sempre foram grandes marinheiros. Quando se deram os primeiros contactos entre os ingleses e a cidade do Porto?

Há elos mais antigos, mas prefiro focar-me em ligações mais formais. Provavelmente o tratado anglo-português de 1654 entre D. João IVe Oliver Cromwell [que protegia os mercadores ingleses, permitindo-lhes terem a sua própria Bíblia, a Bíblia do Rei Jaime, e serem enterrados segundo os preceitos protestantes] levou a desenvolvimentos significativos no comércio, especialmente o incremento das transações no Porto. Por que vieram os ingleses para o Porto? Originalmente muitos foram para Viana do Castelo e desenvolveram o comércio do vinho de mesa, só depois vieram para o Porto. Acho que há dois tratados-chave. O primeiro foi o da nação favorecida [de 1654]. O segundo foi o Tratado de Methuen, que estimulou o vinho e – os historiadores discutem isto – destruiu o comércio português de algodão. Se quiséssemos ser pedantes, podíamos recuar até à velha aliança de 1373. Mas creio que o ponto-chave do que vemos hoje, dessa presença muito forte dos britânicos, pode ser remontado ao tratado da nação favorecida e especificamente o Tratado de Methuen.

 

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