A sociedade está doente

Para as novas gerações a família deixou de ser prioridade – e há múltiplos fatores que vão contribuindo para uma nova forma de estar na vida.

Como médico de família que me orgulho de ser há muitos anos, procuro dar a maior atenção a tudo aquilo que à família diz respeito, desde os debates às notícias, dos encontros aos artigos de opinião. Concretamente, neste último caso, ainda guardo na memória um excelente artigo da autoria de José António Saraiva, publicado no suplemento (b,i) deste jornal, há poucas semanas. 

Esse artigo, que muito apreciei por considerá-lo corajoso, claro e acima de tudo esclarecedor, denunciando episódios lamentáveis ocorridos na sociedade em que vivemos, identifica em todos eles o mesmo denominador comum: famílias problemáticas, sendo a desagregação familiar uma das causas para se poder dizer muito justamente que a sociedade está doente.

Diz-se abertamente que a família está em crise – e, talvez por isso, eu me interrogue se a designação de ‘médico de família’ não deixará de fazer sentido nas gerações futuras. 

É um facto que a família tem vindo a sofrer influências, nem sempre positivas, da sociedade, que em vez de fazer tudo para a preservar tem promovido ‘relações fugidias’, separações constantes entre os casais, obstáculos e dificuldades de toda a espécie a quem pretende iniciar uma vida a dois. 

Na minha esfera profissional o panorama não é nada animador. Tirando os mais velhos, onde ainda perduram convicções e o valor da família jamais é posto em causa, os outros grupos etários regem-se já por conveniências onde conta apenas o bem-estar momentâneo e se aposta tudo no presente ignorando o futuro. 

 

Partilho alguns exemplos elucidativos. 

Dois jovens vêm de vez em quando à minha consulta como qualquer outro casal – mas, curiosamente, cada um deles vive em casa dos pais. Quando um dia os questionei por que razão não viviam juntos, responderam-me com ar triste: "Bem queríamos, mas não temos possibilidades de comprar ou alugar uma casa com os nossos modestos ordenados". 

São os eternos namorados que vão deixando arrastar a relação, adiando constantemente a decisão de seguirem um caminho em comum. Estes adiamentos estão também na origem da baixa natalidade verificada no nosso país e que devia merecer mais atenção dos governantes.

Outro caso que me marcou passou-se com um casal na idade média da vida que vive separado, cada um na sua casa, invocando ‘motivos fiscais’. Ouvi deles esta resposta: "Compensa vivermos cada um em sua casa, pois assim pagamos menos impostos". Em situações semelhantes não poderia o Estado intervir para incentivar estes casais a criarem a sua própria família?

Finalmente, o caso para mim mais preocupante, que ilustra a maneira leviana como se encara hoje a vida e o casamento. Um homem e uma mulher na casa trinta anos informaram-me na consulta que pretendiam contrair casamento. Contudo, preveniram-me logo que, se se dessem mal, recorriam ao divórcio; e, se houvesse uma gravidez não planeada, sabiam como proceder. Ao verem o meu ar de espanto e incredulidade, explicaram: "Doutor, isto agora é assim… É bom só enquanto durar". 

Já lá vai o tempo em que o casamento era planeado para toda a vida, mesmo que isso não viesse a acontecer. Hoje, quem pretende casar entra nesse projeto a pensar logo de início que ele pode acabar. É a realidade.
Para as novas gerações a família deixou de ser prioridade – e há múltiplos fatores que vão contribuindo para uma nova forma de estar na vida.

Antes investia-se a fundo na família – e, se alguma coisa falhasse, tudo se fazia para a salvar. Agora os princípios são outros e ninguém está disposto a sacrificar-se a favor da união familiar. 

Penso, no entanto, que vale a pena refletir nas consequências desta evolução social. Como estamos nós agora? Temos mais paz nas nossas vidas? Somos mais felizes? Sentimo-nos plenamente realizados? Como será o nosso futuro se olharmos apenas para o momento presente? 

Até há duas gerações havia sempre uma família que cuidava dos velhos no final da vida; hoje, acabamos os nossos dias em lares da terceira idade… 

Vamos continuar a fazer de conta que isto não nos diz respeito, assistindo comodamente às intempéries desta sociedade a destruir valores que sempre pautaram a nossa vida? Citando Teresa de Calcutá: "A vida é um combate, aceita-o". É preciso intervir e quanto antes. A sociedade está doente, mas a cura só depende de nós! 

P.S. – Sábado, 8 de agosto, ficámos a saber que o teatro português ficou mais pobre. Deixou-nos um excelente e carismático ator e encenador que durante anos fomos vendo nos palcos e na televisão. Seguia religiosamente os meus artigos neste jornal e dava sempre o seu parecer. Aqui fica a minha homenagem ao homem, ao artista e ao grande amigo que foi Alberto Villar.