Porque era ele, porque sou eu

A. Sedas Nunes introduziu a Sociologia em Portugal. Era uma Sociologia que não conseguiu que persistisse para além dele…

 Para o Roberto Carneiro, que exigiu estas memórias

 

Um dia, o professor Roberto Carneiro telefonou-me para me convidar a escrever um testemunho sobre o professor A. Sedas Nunes, destinado a um livro em sua homenagem. Disse-lhe que ainda não conseguia escrever, dada a grande admiração e afeto que tinha por ele. Insistiu: «O Guilherme foi um colaborador e amigo muito próximo, tem o dever de escrever; e ainda para mais escreve bem», acrescentou, amigo. 
Não pude ceder então ao seu pedido. Mas trago comigo esse dever intelectual e pessoal. Talvez em flashes seja capaz de contar…. Começo hoje. 

 

O que aprendi com o professor Sedas Nunes em saber, exigência intelectual, interesse por um conhecimento e experiência humana estelares; o que testemunhei nele de caráter, sábia generosidade, coerência nos valores, lealdade aos afetos mais nobres! 

Designar A. Sedas Nunes por ‘sociólogo’ é reduzi-lo à insignificância que esse título traduz. É confundi-lo com uma prática redundante ou perversa. Ele introduziu a Sociologia em Portugal – mas a dos grandes fundadores, que eram, como ele foi, incomensuravelmente mais. Era uma Sociologia que não conseguiu que persistisse para além dele.

Resistiu quanto pôde – fui testemunha ativa disso –, mas para ganhar teria sido preciso começar por mudar a Universidade, tarefa impossível que tentou com Miller Guerra, Veiga Simão e a geração de jovens que este pôde reunir.

Todas as tardes de sábado nos encontrávamos no Canas para o café depois do almoço. Tardes que foram para mim Universidade aberta (nada do que era humano lhe era estranho), dialogante, interativa, ‘aulas’ sobre tudo, aplicadas à História que ia correndo perante os nossos olhos, observadores empenhados. Devo-lhe o interesse crítico por Freud e pela psicanálise, que levaria para o meu curso de Filosofia e para o nome da Gradiva – cuja criação me permitiu, encorajou, apoiou e entusiasmou. 

Contarei mais. Quero contar mesmo o que até agora não contei ‘fosse a quem fosse’. Por ser História e ser verdade, retrato de algum modo do meu país e de nós. Registo da memória do Mestre e do Amigo que na minha insegurança não acreditei ser tão meu amigo como eu queria ser dele. E ele era mais. 

 

Por hoje deixo um primeiro episódio que o revela.

Era o ano de 1987 e Portugal entrara há pouco para a Comunidade Económica Europeia. Com a interrogação e a mágoa que desde muito jovem transporto – e que informadamente era também a dele (por isso escreveu os livros que escreveu) –, disse-lhe: 

– Agora que não há as especiarias do Oriente nem o ouro do Brasil, que deixou de haver as colónias de África, que acabaram as remessas dos emigrantes, vamos ter finalmente de mudar.

Respondeu-me:

– Não seja tão otimista, Guilherme. Vem aí o dinheiro da Europa!