Uma Justiça aos papéis

Se há magistrados que servem de exemplo para mostrar lá fora a produtividade dos procuradores e juízes portugueses – pelo esforço e dedicação com que se obrigam a trabalhar dias e noites a fio para ‘ter todos os processos em ordem’, e isso inclui mesmo as chamadas férias judiciais –, outros casos há em que…

Nos últimos seis meses, em cinco deles os tribunais estiveram fechados: três meses e meio por causa do confinamento motivado pela pandemia da covid-19 e outro mês e meio em razão das férias judiciais, que a ministra da Justiça considerou não se justificar encurtar.

É certo que os tribunais não encerram totalmente durante as férias judiciais – há juízes de turno e casos ou diligências urgentes que não podem deixar de ter resposta imediata, nomeadamente quando estão em causa detidos ou presos e há direitos e garantias constitucionais a respeitar. Mas os prazos param.

É também da boa praxe que os magistrados com brio profissional e espírito de missão aproveitem as férias judiciais para despachar processos acumulados quando o número de pendências é manifestamente superior ao exigível por qualquer contingentação, se ela vigorasse em Portugal – e devia vigorar.

Sem ela, ou seja, sem número de processos mínimo nem máximo exigível a cada magistrado, seja do Ministério Público, seja judicial, cada procurador, juiz, desembargador ou conselheiro despacha o que pode ou quer sem que verdadeiramente haja uma consequência, quer de responsabilização quer de reconhecimento.

Com efeito, se há magistrados que servem de exemplo para mostrar lá fora a produtividade dos procuradores e juízes portugueses – pelo esforço e dedicação com que se obrigam a trabalhar dias e noites a fio para ‘ter todos os processos em ordem’, e isso inclui mesmo as chamadas férias judiciais –, outros casos há em que os processos se acumulam nas secretárias e nos armários das secções sem que nada aconteça.

 

Este ano, por exemplo, há magistrados de tribunais superiores, tratando-se portanto de juízes desembargadores e já não de ingresso ou com pouca experiência, que produziram menos de duas dezenas de acórdãos, a maioria dos quais relativos a processos sem complexidade. Ou seja, mesmo sem outras diligências e apesar da simplicidade, como por exemplo recursos da Justiça desportiva ou de refugiados, dá menos de dois acórdãos por mês.

Ora, assim não espanta que os processos se acumulem e a Justiça portuguesa tenha a reputação que tem, e muito má, em matéria de atrasos e arrastamento dos processos. Sejam processos de maior ou de menor complexidade.

Sendo procuradora de carreira, aliás com reconhecido mérito e vasta experiência, a ministra Francisca Van Dunem devia ter aproveitado este ano atípico para dar um murro na mesa e abanar o sistema, reduzindo as férias judiciais, como propuseram outros doutos seus colegas, como a antiga procuradora-geral da República Joana Marques Vidal.

Não o fez e… fez mal. Podia até não resolver muito, mas servia de exemplo.

Sobretudo porque, além do mais, a lentidão da Justiça tem efeitos dramáticos, sociais e económicos.
Por isso é comum dizer-se que a Justiça portuguesa, por ser tão lenta, em termos práticos, já deixou de ser justa.

 

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