Biblioteca Pessoal: Um rosto nem por sombras bonito e coberto de pó

O que aconteceu às pinturas que adornavam os seus maravilhosos palácios e museus? Às obras-primas de Giorgione, Rubens, Rembrandt, Velázquez e Van Dyck? Teriam também elas sido transformadas em cinzas, tal como as maravilhas arquitetónicas?

Na noite de 13 para 14 de fevereiro de 1945, os habitantes de Dresden acordaram ao som das sirenes que os instavam a refugiarem-se nos abrigos antiaéreos. Não era a primeira vez que isso acontecia durante a guerra, pelo que muitos acreditaram que se tratava de mais um falso alarme.

Mas dali a pouco ouviu-se o zumbido dos motores e depois começaram os estrondos. Desta vez, as bombas caíram com força: mais de dois mil aviões dos aliados despejaram perto de quatro mil toneladas de explosivos sobre uma das mais belas cidades da Europa, uma espécie de museu a céu aberto. Foi uma ação punitiva destinada a vergar de vez o povo alemão, a destruir-lhe irremediavelmente a alma e a moral. 90% do centro histórico ficou destruído, terão morrido cerca de 25 mil pessoas, quase todas civis. Mesmo os abrigos antiaéreos revelaram-se impotentes perante a violência do bombardeamento. A ‘Florença do Elba’, como era conhecida, ficou reduzida a escombros.

O que aconteceu às pinturas que adornavam os seus maravilhosos palácios e museus? Às obras-primas de Giorgione, Rubens, Rembrandt, Velázquez e Van Dyck? Teriam também elas sido transformadas em cinzas, tal como as maravilhas arquitetónicas? Qual o destino, em particular, da Madona Sistina, pintada em 1512 por Rafael e exposta no Zwinger, onde Dostoievski, que a considerava «a maior revelação do espírito humano», a ia contemplar em silêncio quase todos os dias nos tempos em que vivia na cidade?

Entre os homens destacados para localizar as obras de arte de Dresden no meio do caos encontrava-se Leonid Volynsky, um tenente do Exército Vermelho, mas também crítico de arte e ele próprio pintor praticante.

Tudo começou com um «mapa silencioso», como nos relata Volynsky no livro Seven Days – How the art of Dresden was saved. Um mapa sem nomes de povoações, apenas com um T assinalado (por coincidência a primeira letra da palavra tesouro).

Era preciso «pôr o mapa silencioso a falar», e os soviéticos conseguiram-no. O T levou-os a uma pedreira abandonada. Embrenhando-se num túnel, deparam-se com um vagão de carga encarnado. Lá dentro, uma moldura brilhava timidamente. «Aproximo a um pouco lanterna. A tela está coberta por uma camada espessa impenetrável de poeira cinzenta. Agachando-me, escolho um sítio ao acaso e esfrego a superfície da tela com a manga da blusa». Acamada de pó desaparece, «como o gelo a derreter lentamente numa janela» e surge um rosto familiar, com olhos alegres, mas «nem por sombras bonito»: o rosto de Rembrandt.

Felizmente, os nazis tinham posto os tesouros de Dresden a salvo, mostrando um respeito pela arte que não mostraram pelos seres humanos.

A história desta recuperação é um dos poucos episódios da guerra com final feliz e o tenente Volynsky relata-o com rigor, proximidade e sentimento. Por isso, também eu tive uma bela surpresa encontrar o seu livro quase esquecido numa arrecadação. A primeira coisa que fiz foi limpar o pó da capa:o rosto da Madona de Rafael, tão celebrado por Dostoievski, não merecia estar coberto de pó.

Livros:

O Ultimo verão de Klingsor
{ Hermann Hesse } 
Hermann Hesse escreveu este romance no «verão único e invulgar» de 1919, depois do fim da Grande Guerra, que abria perspetivas otimistas. Um verão, como diria 20 anos mais tarde, «como vivi muito poucas vezes na vida, de um vigor e de uma incandescência, de um brilho e sedução que me invadiu e assolou como vinho forte». Desse estado de espírito nasceu um livro sobre as esperanças juvenis de um pintor idealista e o seu confronto com as desilusões do mundo.

Editora D. Quixote Preço 11,90€

O Crime do Dragão
{ S. S. Van Dine } 
Na bela propriedade dos Stamm, nos arredores de Manhattan, existe um lago artificial com um nome sugestivo e acerca do qual circulam estranhas lendas – a Piscina do Dragão. Numa noite de festa, um jovem convidado mergulha para a água – para nunca mais aparecer. Odetetive Philo Vance terá de perceber se se trata de um fenómeno bizarro ou se existe uma explicação racional para o sucedido.
Editora Livros do Brasil Preço 7,70€

As Fórmulas da Vida e da Morte
{ Kit Yates } 
Vacinas, epidemias, estatísticas, sondagens, ações da bolsa, algoritmos das redes sociais e até notícias falsas: da saúde à tecnologia, da política à economia, o alcance da matemática chega a todo o lado. Kit Yates mostra-nos a importância dos números no funcionamento do mundo contemporâneo, mas também como são torcidos e manipulados. «Afinal de contas, a mesma matemática que desmascarou o falsificador de arte Han van Meegeren também nos deu a bomba atómica», conclui. Se ela é benigna ou não, depende de quem a usar – e com que objetivos.
Editora Desassossego Preço18,80€