Avante!: ‘Depois dos primeiros canecos não há distanciamento’

Os estabelecimentos comercias que circundam a Quinta da Atalaia preparam-se para fechar portas durante a Festa do Avante! embora ainda haja quem mantenha dúvidas: ‘Se eu abrir, vai ser só take away. Ninguém entra cá dentro’, diz, ao SOL, Maria Benelo Ferreira, proprietária da cafetaria Arcada.

Avante!: ‘Depois dos primeiros canecos não há distanciamento’

por Joana Faustino e Rita Pereira Carvalho

Marcada para os dias 4, 5 e 6 de setembro, a Festa do Avante! está a deixar tanto os residentes como os trabalhadores da freguesia da Amora inseguros. A faltar uma semana para o festival, o comércio ainda se rege por incertezas. Maria Benelo Ferreira, proprietária da Cafetaria Arcada que se encontra junto a uma das portas do recinto, admite ainda não saber se vão ou não abrir o estabelecimento: "Eu já fiz todas as festas do Avante! desde que estou aqui, não tenho nada contra, mas acho que este ano não se devia fazer. Se eu abrir vai ser só take-away, ninguém entra cá dentro… mas ainda não sei porque depois dos primeiros canecos não vai haver distanciamento social nenhum". 

O que em anos anteriores não foi um problema, é-o agora. Alguns moradores confessam ponderar sair do concelho durante o fim de semana da festa devido ao elevado congestionamento: "Metade do bairro vai sair. No ano passado tive um em coma alcoólico à minha porta, não nos podemos arriscar a isso este ano", diz-nos uma cliente da mesma cafetaria. 

E se o Arcada ainda está em dúvidas sobre se irá ou não abrir portas – ainda que só para take away – vários outros cafés e pastelarias como o Café Serpente, Tão Bela 2 e o Verde e Amarelo já decidiram encerrar durante o período da festa. 

A segurança das pessoas parece ficar em primeiro lugar quando comparada ao lucro monetário. Apesar de os estabelecimentos comerciais terem estado fechados durante o período do estado de emergência, os comerciantes preferem não arriscar e fechar de novo durante mais três dias. Olinda Pascoal, dona do Café Serpente, diz zelar pela saúde da família e conta ao SOL o porquê de optar por não abrir o estabelecimento durante o período da festa: "Quem vinha trabalhar durante a festa eram os meus filhos e eles têm filhos pequenos e depois se há um problema qualquer como é que eles ficam com os bebés?".

Na esplanada da pastelaria Tão Bela 2 o assunto debatido é o mesmo que nas restantes ruas da freguesia da Amora. "Não havia problema nenhum em fazer a festa para o ano, porque é que precisam de arriscar este ano?", questiona-se o casal Paula e José Vargas, trabalhadores no Seixal. Para eles é impossível existir um controlo das medidas de segurança durante o festival. Relativamente à segurança, José Vargas deixa uma sugestão: "Se quiserem fazer a Festa do Avante! têm que identificar as pessoas todas que vão e, depois, quem ficar doente, quando chegar ao hospital, está lá o nome dele e paga do próprio bolso".

 

Casamentos proibidos e festa avante 

E tal como a falta de medidas de segurança é um problema, também as dualidades relativamente às permissões concedidas o são: "Se eu agora quiser casar e tiver 60 ou 70 convidados não deixam, tem que ser metade, e eles vão juntar 30 mil", lamenta José Vargas. Ao se lado a mulher bebe o café, perguntando: "Os feirantes querem-se ‘governar’ e não podem ir para as feiras, com tantas restrições, e agora fazem uma festa destas com tanta gente junta?". A juntar à festa entra a emprega do café, que entre o frenesim de servir bebidas e participar na conversa, dispara: "E depois nós somos obrigados a fechar o café ás dez da noite".

 

Casa ocupada por estranhos

O sentimento de indignação é grande por parte de quem sente que vai ter um pouco da sua ‘casa’ ocupada por estranhos. Durante o festival é comum ver os campistas a dormir fora do recinto e essa é mais uma preocupação para os moradores: "Alguns vão dormir aí para o campo do Amora, outros ficam nos estacionamentos, é onde querem…", acrescenta o casal. Paula Vargas confessa que nos dias da festa vai ficar em casa porque o estabelecimento onde trabalha, Marisqueira O Pinto, vai ser mais um dos que vai encerrar portas. 

A Festa do Avante! realiza-se há mais de 40 anos, tendo já passado por várias localizações, tanto na Margem Norte como na Margem Sul do Tejo. O evento organizado pelo Partido Comunista Português, além da mensagem política, vive também de concertos de música, teatro, gastronomia e literatura. Dada a possibilidade de acampamento, a proximidade é uma característica forte deste festival e por isso um tão grande motivo de preocupação dos habitante da Amora. A realização da Festa do Avante! está envolta em polémica desde o surgimento da pandemia, já que muitos acusam o PCP de ter um tratamento privilegiado face aos outros festivais de verão que foram cancelados.

 

PCP pode divulgar parecer da DGS

A Ordem dos Médicos defendeu na passada quinta-feira que a fiscalização sanitária feita ao festival deveria ser independente: "A fiscalização não pode ficar a cargo dos interessados. Isto é a mesma coisa que os condutores passarem a fiscalizar a sua própria condução nas autoestradas. Para que é que serviria então a brigada de trânsito?", questiona Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da covid-19 da Ordem dos Médicos.

Seja pela incerteza ou pelo medo de grandes aglomerações, tanto os comerciantes como os residentes da freguesia preferem jogar pelo seguro e vão manter-se afastados das multidões porque "depois dos primeiros canecos, não vai haver distanciamento social nenhum".

A Festa do Avante! começa na próxima sexta-feira, dia 4, e o público ainda desconhece o parecer final da Direção-Geral da Saúde relativamente às regras oficiais para o evento. O último parecer em relação à Festa do Avante! saiu na passada quarta-feira, mas Graças Freitas diz que cabe agora ao Partido Comunista Português decidir se quer ou não divulgá-lo.